No momento em que a transição energética dos sistemas de transporte se faz necessária para a redução das emissões poluentes, é preciso avaliar e conhecer os variados modelos de combustíveis apropriados para a movimentação da frota de veículos comerciais no Brasil.
A revista AutoBus conversou, por e-mail, com Julio Cesar Minelli – Diretor Superintendente da Associação dos Produtores de Biocombustíveis do Brasil (APROBIO), sobre esse relevante assunto que tanto afeta a saúde pública e o meio ambiente, numa fase em que deveríamos estar falando de mais opções na matriz energética do transporte e não apenas de uma modalidade que se apresenta com única solução.
Segundo o executivo, estimativas da associação mostram que eletrificar 100% da frota de ônibus da cidade de São Paulo representaria um aumento do consumo de energia elétrica do município, com uma carga similar a toda a cidade de São José dos Campos, cidade paulista.
Revista AutoBus – Neste momento em que mais se discute a matriz energética dos sistemas de transporte sobre pneus, principalmente os ônibus urbanos, há uma tendência para os veículos elétricos. Contudo, sabemos que os biocombustíveis podem ter um papel determinante quando se fala em redução das emissões poluentes do segmento. Para a APROBIO, essa questão deve ser levada em consideração, com uma posição de que não há, apenas, uma solução para se alcançar a meta do transporte mais limpo?
Julio Minelli – A solução para a transição energética, para uma matriz energética mais limpa, passa necessariamente por uma combinação de rotas tecnológicas – não há uma solução única. Os veículos elétricos são rotulados como ecologicamente corretos, mas gerar a eletricidade necessária quase sempre envolve a queima de combustíveis fósseis. Além disso, a produção de baterias para esses carros requer a extração de recursos minerais, atividade reconhecida pelo impacto ao meio ambiente. Sua manufatura demanda muita energia e gera, invariavelmente, emissões significativas de CO2, e ainda é preciso considerar o descarte após sua vida útil.
Estimativas da associação mostram que eletrificar 100% da frota de ônibus da cidade de São Paulo representaria um aumento do consumo de energia elétrica do município com uma carga similar a toda a cidade de São José dos Campos.
Outro grande desafio é o custo para transição, ou seja, qual o investimento necessário para mudar a frota de veículos e dispor de uma rede de abastecimento que garanta a mobilidade das pessoas. Não desprezível considerar que os veículos elétricos são normalmente mais pesados, tem um volume útil para passageiros menor, portanto serão necessários mais ônibus para transportar o mesmo número de passageiros, que desgastarão mais as pistas de rolamento, além de ser mais difícil seu reaproveitamento em outros usos, uma vez que nem todas as regiões estarão adaptadas à sua utilização.
Considerando que o maior desafio do momento é a gestão das emissões do transporte público e de cargas nas grandes cidades, um dos maiores vilões para o aquecimento global, os biocombustíveis se posicionam com vantagens muito grandes, com resultado imediato para o processo de descarbonização no transporte urbano e de carga.
AutoBus – Dentre os biocombustíveis, quais são os que a entidade defende para serem usados em frotas urbanas de ônibus? E como está o desenvolvimento desses combustíveis renováveis em nosso País?
Minelli – Certamente, os biocombustíveis para o ciclo diesel são os candidatos naturais. O biodiesel tem toda a infraestrutura de produção preparada e hoje já há uma capacidade instalada e aprovada pela Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP) para atender uma mistura de 20% (B20). O uso do biodiesel puro (B100) também é tecnicamente viável, como já comprovou uma bela experiência em Curitiba (PR) com o transporte público.
O horizonte também está repleto de novas possibilidades para os biocombustíveis de primeira e de segunda onda, movimentando a economia nacional, iniciando pelo agronegócio e evoluindo para a sua industrialização. Os biocombustíveis avançados englobam o diesel verde e o bioquerosene de aviação renovável, também conhecidos pelas siglas HVO (sigla em inglês para Hydrotreated Vegetable Oil) e SAF (combustível sustentável para aviação), respectivamente.
AutoBus – Quais as vantagens dos biocombustíveis?
Minelli – O Brasil, assim como as principais economias do mundo, assumiu compromissos relevantes decorrentes do Acordo de Paris. Entre essas contribuições, estão em aumentar o uso de fontes alternativas de energia, elevar a participação de bioenergias sustentáveis na matriz energética brasileira, promover o uso de tecnologias limpas nas indústrias, reduzir o desmatamento e reflorestar 12 milhões de hectares.
O setor transporte é um dos protagonistas dos graves problemas que a sociedade brasileira deve enfrentar para reduzir as emissões de gás carbônico na atmosfera. A poluição atmosférica provocada por um veículo é um problema que há décadas agrava as condições de saúde de parcelas da população global, para o qual os biocombustíveis representam uma saída, até porque podem aproveitar de toda a infraestrutura já implantada.
A matriz energética brasileira nos transportes é uma das mais limpas do mundo, com 25% do combustível tendo origem em fontes renováveis. E a meta do Governo Federal é chegar a 2030 com 30%. O potencial para evoluir ainda mais com os biocombustíveis é enorme, garantindo uma transição energética rápida e segura.
Nosso País tem condições de aproveitar o seu enorme potencial de ampliar ainda mais a geração de energia a partir da biomassa, incluindo aumentar a produção de biocombustíveis paralelamente à produção de alimentos.
Os biocombustíveis são produzidos a partir de biomassa renovável e podem substituir parcial ou totalmente combustíveis derivados de petróleo e gás natural em motores a combustão ou em outro tipo de geração de energia.
Em geral, usam como matéria-prima um ou mais tipos de produtos agrícolas como soja, cana-de-açúcar e milho, entre outros, além de gorduras animais, óleo de fritura reciclado ou resíduos da agricultura
O biodiesel faz bem para a saúde e melhora a qualidade de vida de toda a população, além de garantir energia cada vez mais limpa, sustentável, competitiva e segura. Além de provocar menos emissões, a cadeia produtiva dos biocombustíveis provou-se de extrema importância para a geração de renda e emprego no campo brasileiro, além de uma indústria robusta.
AutoBus – Qual a capacidade do Brasil em produzir tais modelos de combustíveis?
Minelli – O biodiesel já possui estrutura produtiva instalada capaz de atender a demanda de uma mistura de 20% (B20). Para aplicações específicas, como frotas urbanas, poderia atender com até 100%. Neste momento, avançam novas regulamentações no Brasil que vão definir o avanço do biodiesel.
No caso dos biocombustíveis avançados, como o diesel verde HVO e SAF, neste momento, é urgente a definição de marco regulatório no Brasil que garanta o investimento nesse tipo de biocombustível, que assim poderá cumprir seu papel no processo de transição energética.
AutoBus – O HVO representa ser a melhor dentre as opções que o mercado pode ter?
Minelli – O diesel verde HVO é um importante representante dessa nova geração de biocombustíveis, capaz de substituir integralmente o diesel fóssil, porque é quimicamente idêntico e praticamente não requer qualquer investimento em ajuste na programação dos motores, além de utilizar a rede de abastecimento disponível.
Essa transição, como já dito, depende da definição de marcos regulatórios que introduzam o novo biocombustível na matriz energética por meio da definição de mandatos. Essa garantia é importante porque o investimento numa nova planta é significativo e o investidor depende dessa segurança jurídica.
AutoBus – Qual o papel e o trabalho da associação no sentido de promover essa questão junto a órgãos governamentais, sociedade e operadores?
Minelli – Os debates que o setor tem participado só reforçaram a importância da atuação e presença ativa da APROBIO em vários fóruns de discussões nos órgãos e agências de regulamentação, assim como nas várias esferas do Executivo e do Legislativo federais.
Foi assim que o setor esteve representado com sua voz nas várias audiências públicas e nos momentos em que as decisões estavam sendo tomadas. Uma análise criteriosa das documentações e propostas de regulamentações colocou em evidência as inconsistências de processos e os riscos de determinadas decisões.
Várias ações foram coordenadas com as outras associações e com a mobilização da Frente Parlamentar Mista do Biodiesel (FPBio). A voz do setor repercutida nos meios de comunicação, em campanhas institucionais promovidas pela APROBIO e na participação em vários eventos e congressos levaram informação precisa e dados que dão transparência aos compromissos das associadas e a garantia da qualidade do produto que chega ao consumidor final.
O trabalho da Associação também está voltado para pavimentar o futuro do setor ao acompanhar o dia a dia da evolução dos projetos de lei que estendem o cronograma de avanço da mistura de biodiesel até atingir pelo menos B20 em 2028 e que estabelecem o Programa Nacional dos Combustíveis Avançados Renováveis.
Estamos sempre presentes em grupos de trabalho que envolvem os temas de interesse dos biocombustíveis, assim como em câmaras setoriais que estabelecem os avanços estruturais exigidos e as melhores rotas para o setor continuar a avançar. Pesquisas e avaliações do mercado são realizadas para subsidiar as decisões e todas as informações e decretos de interesse ficam disponíveis para conhecimento das associadas da APROBIO.
Nosso papel é garantir a articulação necessária para o fortalecimento institucional da representatividade setorial de forma a que o setor possa continuar a cumprir seu objetivo de desenvolvimento sustentável, crescimento da economia e geração de emprego para os brasileiros nas próximas décadas, que terão melhor qualidade de vida com o maior uso dos biocombustíveis.
Fonte: Revista AutoBus
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