Sem dinheiro em caixa e com a promessa de déficit zero nas contas públicas em 2024, o governo Lula tenta convencer os fundos soberanos, administrados pelos governos de diferentes países, a financiar projetos do novo Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) e de transição energética.
Para conseguir parte dos cerca de US$ 11,2 trilhões (R$ 55,5 trilhões) que estão nas mãos dessas instituições estrangeiras, missões de técnicos brasileiros já se preparam para fazer um corpo-a-corpo com esses investidores no exterior.
A busca por recursos começará em março pela Espanha. Em maio, uma missão irá aos Estados Unidos e, em junho, à França. No segundo semestre, estão previstas viagens para Arábia Saudita, Cingapura e China. Também são esperados encontros com investidores privados neste road show.
A visita do presidente Luiz Inácio Lula da Silva à Arábia Saudita, no fim do ano passado, antes de participar, no Catar, da Conferência Mundial sobre o Clima (COP28), teve esse objetivo. Dados da Global SWF, consultoria de pesquisa, mostram que o PIF, fundo soberano saudita, por exemplo, investiu no total US$ 31,6 bilhões em 2023, ante US$ 20,8 bilhões no ano anterior.
O secretário-executivo do Ministério dos Transportes, George Santoro, afirma que, para atrair investimentos, a pasta já fez contatos com diversos fundos estatais no mundo, com destaque para os árabes e o de Cingapura.
Ele ressaltou que dois fundos soberanos atuaram como parceiros das empresas que venceram os leilões de dois lotes de rodovias no Brasil, em 2023: o de Cingapura e o dos Emirados Árabes.
— Os fundos estão olhando para os nossos leilões de rodovias e já estamos conversando também sobre ferrovias. Não há, no mundo, uma carteira de projetos tão robusta como o PAC — afirmou.
Santoro acredita que, dificilmente, esses fundos virão sozinhos para o Brasil. O mais provável é que venham com empresas de infraestrutura ou outros fundos de investimentos. Ele lembrou que somente em rodovias o PAC prevê R$ 180 bilhões em investimentos.
Situação fiscal no radar
Outro foco do governo é o financiamento de projetos ambientais. João Resende, assessor especial do Ministério da Fazenda, lembra que o Brasil lançou, durante a COP28, um fundo voltado para a manutenção das florestas tropicais em pé e conservadas. Ele enfatizou que os países com fundos soberanos, entre outros investidores, também poderiam investir nesse instrumento.
— Você pode investir emprestando para o Tesouro dos EUA, mas além do ganho que você teria, vamos fazer seu dinheiro render mais, e a diferença é manter a floresta em pé — diz Resende, descrevendo a linha de argumentação.
Sem ‘aventura’
A questão é que esses fundos são exigentes e dão preferência a nações desenvolvidas e de baixo risco. Claudio Frischtak, economista e líder da consultoria Inter B, afirma que os fundos soberanos são instrumentos relevantes, mas destaca que os mesmos são geridos de forma bastante conservadora.
— Não é um pessoal que faz aventura. Para poder investir, é preciso obedecer a uma série de critérios. E assim acabam indo para países desenvolvidos. O Brasil, por exemplo, está a dois níveis do grau de investimento — disse Frischtak, em referência à classificação que funciona como um selo de qualidade para os investidores.
Segundo ele, a situação fiscal de um país é fundamental e chama a atenção, no caso brasileiro, a tendência de alta da relação entre a dívida e o Produto Interno Bruto (PIB). O objetivo do governo é que o Brasil volte a ter o grau de investimento de agências de classificação de risco em 2026.
O setor de telecomunicações também olha com atenção os fundos soberanos internacionais. Vivien Suruagy, presidente da Federação Nacional de Call Center, Instalação e Manutenção de Infraestrutura de Redes de Telecomunicações e de Informática (Feninfra), ressalta que os sauditas buscam a meta de US$ 1,07 trilhão até 2025 e mais de US$ 2 trilhões até 2030.
Porém, investem menos de US$ 1,6 bilhão no Brasil. Já os Emirados Árabes colocaram US$ 10 bilhões no país.
— Observamos que esses fundos investem em empresas e negócios sólidos. E este é exatamente o perfil do setor de telecomunicações — disse Suruagy. — A palavra da vez em nosso país é ampliação da conectividade, instalação e ativação do 5G, expansão da fibra óptica e novas soluções tecnológicas para os clientes. Isto tudo demanda recursos — afirmou, acrescentando que a previsão de investimentos no 5G, em quinze anos, é de US$ 1,2 trilhão.
Vantagens com a china
Robson Gonçalves, economista e professor de MBAs da FGV, cita quatro grandes países com fundos e com potenciais investimentos no Brasil: Noruega, China, Cingapura e Emirados Árabes.
— Os fundos soberanos são muito conservadores em suas aplicações. Eles não têm caráter especulativo, eles querem projetos com retorno a longo prazo. E a longo prazo, no Brasil, você tem o problema do risco. É preciso ter uma modelagem jurídica que reduza o potencial de risco — avalia.
No caso da China, segundo Gonçalves, há um alinhamento político favorável ao Brasil em relação aos Brics, bloco formado por Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul, e com o processo de entrada de novos membros anunciado em 2023. Esse movimento deve ajudar na abertura do mercado brasileiro para os investimentos em infraestrutura.
— Os fundos soberanos têm boas áreas de prospecção de oportunidades de investimentos e procuram com uma lente essas oportunidades mundo afora. Como eles têm um caráter estatal, faz sentido ter um pouco de diplomacia. É um roadshow diferente do setor privado, é um caráter mais político — avalia o especialista.
Os grandes fundos têm escritórios no Brasil para fazer uma avaliação minuciosa de projetos que potencialmente poderão receber recursos. Há critérios de avaliação como o rating dos países; rating dos projetos, levando em consideração o grau de contencioso, por exemplo; risco ambiental; e até critérios como participação na Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico (OCDE).
Porém, em grande parte dos casos, a nota do Brasil nas agências de classificação de risco, ainda longe do grau de investimento, já é suficiente para que grandes fundos soberanos desconsiderem aportar recursos em projetos aqui, avalia Welber Barral, consultor de comércio exterior do Banco Ourinvest e ex-secretário de Comércio Exterior.
— O Brasil tem recebido, por outro lado, muitos fundos de aposentadoria, principalmente no setor imobiliário. Há muitas oportunidades de investimentos. A grande questão é o alto risco de litigiosidade e tributário no país, quando se compara, por exemplo, com Chile e Colômbia — afirma Barral.
Fonte: O Globo
Petrobras terá de comprovar conteúdo renovável do coprocessado, diz relator do combustível do futuro
Be8 assina contrato com empresa indiana para construção de planta em Passo Fundo
Engenheiro de bioprocesso e técnico em etanol: veja carreiras em alta no setor de biocombustíveis