Estudo feito a pedido de produtores busca mostrar as vantagens do aumento na mistura de biodiesel com o diesel de petróleo, que hoje opõe o agronegócio brasileiro ao setor de petróleo e combustíveis.
A proposta de aumento na mistura de biodiesel com o diesel deve ser discutida ainda este mês pelo CNPE (Conselho Nacional de Política Energética).
Hoje, há 12% de biodiesel em cada litro de diesel vendido nos postos. As regras atuais preveem alta de um ponto percentual por ano até que a mistura atinja 15% em 2026 e 20% em 2030. O agronegócio quer antecipar a mistura de 14% para 2024 e a de 15% para 2025.
A antecipação conta com a simpatia do ministro de Minas e Energia, Alexandre Silveira, que já levantou a possibilidade de que a mistura alcance 25%. Distribuidoras de combustíveis e o setor de transporte afirmam que novos estudos sobre impacto nos tanques e motores são necessários.
Em campanha para convencer o governo a antecipar o calendário, a FPBio (Frente Parlamentar Mista do Biodiesel) disse que o aumento da mistura pode reduzir as importações de diesel do país, hoje responsáveis por cerca de um quarto da demanda interna, e fez um estudo para defender o ponto de vista.
O agrônomo e consultor João Henrique Hummel, diretor executivo da frente e autor do estudo, diz que a Petrobras tem sinalizado que ampliar o uso biodiesel pode prejudicar os seus investimentos em diesel, uma vez que uma maior percentagem de biocombustível disputaria mercado com o diesel da companhia.
Hummel afirma que o biodiesel não pode ser avaliado como um concorrente, mas como um aliado com potencial para reduzir as importações. "A gente vai ocupar o espaço da importação, e não vamos cobrir tudo. O Brasil vai ainda vai precisar importar."
O estudo considerou a conclusão de dois grandes investimentos da petroleira. A ampliação da RNEST (Refinaria Abreu e Lima), em Pernambuco, prevista para operar a partir de 2027, e a conclusão de unidade produtora de diesel, no Rio de Janeiro, com operação prevista em 2028.
Na avaliação de Hummel, o biodiesel do agronegócio só se torna concorrente da petroleira se a companhia projetar ganhos relevantes com a importação do diesel.
Os setores de combustíveis e transportes, porém, já pediram neste ano revisão do programa de biodiesel, com redução das metas, alegando que o produto vem causando problemas em bombas e motores. A carta foi assinada por distribuidoras e associações de transportadoras.
Há ainda críticas sobre o impacto no bolso do consumidor. Mais caro do que o diesel, o biodiesel é um fator de pressão sobre os preços.
Na primeira semana de janeiro, por exemplo, o biodiesel representou, em média, R$ 0,55 dos R$ 6,13 cobrados pelo litro do diesel nos postos brasileiros. Isso equivale a um custo por litro de R$ 4,58, enquanto o diesel de petróleo sai a R$ 3,16.
Além do maior preço de venda, os produtores agrícolas ainda recebem certificados de descarbonização, conhecidos como Cbios, que representam cerca de R$ 0,14 do preço final pago pelo consumidor pelo combustível, nas contas de estudo da PUC-Rio feito para distribuidoras.
Nesta terça-feira (12), o IBP (Instituto Brasileiro do Petróleo) divulgou nota questionando a pressão pelo aumento da mistura. Afirmou que a antecipação das metas sem planejamento prévio pode gerar corrida por produto e por logística e risco de desabastecimento.
Hummel, que dirigiu a FPA (Frente Parlamentar da Agropecuária) por 11 anos, disse que FPBio defende o aumento da mistura dentro de uma política nacional para o biodiesel, com algumas premissas que associam agronegócio e mercado de combustíveis. Entre elas estão, por exemplo, a reindustrialização, a geração de empregos, o aumento do valor agregado das exportações e a utilização de subprodutos que possam gerar impacto ambiental.
Na roda da cadeia de produção alimentar, a soja é uma proteína vegetal. Ao ser esmagada, gera farelo de soja, insumo para a ração, que sustenta a produção de uma outra cadeia, a de proteína animal —frango, porco, peixe. O processo para se chegar ao farelo gera óleo de soja, na proporção de um para quatro.
Se o Brasil esmagasse toda a produção de soja, estimada em cerca de 162 milhões de toneladas para a safra 2023/2024, produziria 30 bilhões de litros de óleo. O país consome 4 bilhões de litros.
Hummel dá o exemplo extremo para destacar que o óleo vai se tornando um problema crescente à medida que a produção de farelo se expande.
"O que vamos fazer com tanto óleo: jogar no rio, queimar? Quem paga essa conta se nada for feito? Esse resíduo tem um valor agregado e pode ser bom para o Brasil se for tratado como uma commodity como é o petróleo."
Hummel destaca que há uma perspectiva de ganho monetário nas outras cadeias produtivas do agronegócio em ampliar o uso do biodisel. Exportar farelo de soja é mais rentável que exportar grão de soja, e exportar carne é mais rentável do que exportar farelo.
Em defesa do aumento da mistura, Hummel ainda destaca que é crescente o número de produtores que estão investindo em veículos abastecidos com B100, ou seja, exclusivamente com biodiesel, o que refutaria a percepção de que são necessários mais testes para o uso do biocombusível.
Entre os que investem no segmento está a Amaggi, um dos maiores grupos do agronegócio brasileiro, da família do ex-ministro da Agricultura Blairo Maggi.
Depois de um período de testes, o grupo encomendou a maior frota rodoviária de caminhões voltada ao agro abastecida B100. Serão cem veículos.
Os veículos estão sendo produzidos por encomenda pela fábrica da Scania no Brasil, com previsão para entrega no próximo ano.
A frota será abastecida pela fábrica de biodiesel da própria Amaggi. Localizada em Lucas do Rio Verde (MT), em uma área onde a empresa já opera uma indústria esmagadora de grãos, a unidade entrou em operação neste ano.
O investimento em biodiesel faz parte do plano de descarbonização da empresa que busca reduzir as emissões de gases de efeito estufa até 2035.
Procurada pela reportagem, a Petrobras não fez comentários até a publicação deste texto.
Fonte: Folha de S. Paulo
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