Para o físico e pesquisador Paulo Artaxo, um dos principais especialistas brasileiros em mudanças climáticas, a meta de limitar o aumento da temperatura média global a 1,5°C só existe na cabeça dos diplomatas e já caducou. "Este ano já vamos ter aumento de 1,5ºC", disse em entrevista para Ecoa.
Na quinta-feira (7), o observatório Copernicus, da União Europeia, divulgou dados indicando que Artaxo está certo e 2024 deve superar 2023 como o ano mais quente do mundo desde que os registros começaram, com aquecimento acima de 1,5ºC..
Às vésperas da COP29, no Azerbaijão, o integrante do IPCC (Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas) ressalta a urgência de um novo modelo de governança climática que realmente funcione. Para ele, as COPs carecem de mecanismos robustos para verificar emissões e implementar políticas eficazes.
"Sem um sistema global de governança, a questão climática não encontrará solução.", Paulo Artaxo.
Na conferência, os países terão de discutir um grande aumento no financiamento para combater as mudanças climáticas. Entretanto, a vitória de Donald Trump na eleição presidencial dos EUA diminuiu as expectativas para as negociações.
Leia a seguir a entrevista completa.
O senhor comentou recentemente que a meta de limitar o aquecimento global a 1,5ºC "existe apenas na cabeça de diplomatas", especialmente considerando que podemos ultrapassá-la ainda este ano. Com as COPs do clima ocorrendo anualmente há quase 30 anos e sem melhorias significativas na situação, por que continuar a realizar essas reuniões?
As COPs são instrumentos absolutamente essenciais na governança climática global. Não haverá saída para a questão climática sem um sistema de governança global, e as COPs, hoje, são o único mecanismo em que isso possa vir a acontecer. Não é que nós não temos que ter metas. O problema é que a meta estabelecida e estruturada pelo Acordo de Paris de limitar o aumento da temperatura em 1,5ºC já caducou.
As COPs são os mecanismos adequados para que essas metas sejam negociadas e verificadas. No entanto, hoje as COPs não têm efeito prático porque existe apenas um sistema voluntário dos países de colocar quais mecanismos estão fazendo. Não existe um sistema de governança, não há nenhum mecanismo global de verificação de emissões.
O que podemos esperar da COP30 no Brasil?
O fato de a COP29 ser fraca do ponto de vista de resoluções globais traz uma importância maior ainda para a COP30, no Brasil, na qual as NDCs de cada país terão que ser renegociadas. Mas, obviamente, o cenário internacional desfavorável que vivemos agora, com três guerras importantes, na África, no Oriente Médio e na Ucrânia, não faz com que haja um ambiente de colaboração internacional relevante. Outra questão fundamental são as eleições nos Estados Unidos, que vão influenciar significativamente um dos maiores emissores de gases de efeito estufa.
Então, tanto a COP29 como também a COP30 vão ocorrer em um cenário internacional não muito favorável a acordos internacionais ou a políticas de Estado. Mas, infelizmente, essa é a realidade que temos no planeta do ponto de vista de governança, e vamos ter que essencialmente lidar com essas questões.
Qual pode ser, ou deve ser, o papel do Brasil na política e nas ações relacionadas às mudanças climáticas?
O Brasil tem oportunidades extraordinariamente boas de efetivamente cortar praticamente 50% das emissões se até 2030 conseguir zerar o desmatamento da Amazônia. E o governo tem todos os instrumentos para atingir essa meta. Além disso, o Brasil tem um potencial de geração de energia solar e eólica extraordinário - não há nenhum outro país que tenha a mesma possibilidade do Brasil de se transformar em uma economia verde de baixo custo e sustentável. Nós precisamos, obviamente, de políticas públicas que implementem estas questões.
Essa conferência pode ajudar a restaurar o protagonismo ambiental do país?
Não é uma questão de reputação. O Brasil tem um papel importante no cenário internacional agora, por exemplo, com a presidência do G20, na qual está efetivamente trabalhando para que essa questão da governança global seja aprimorada. E a diplomacia brasileira é conhecida por ter uma competência extraordinária.
Internamente, o presidente Lula implementou uma agenda comum com o Judiciário e com o Legislativo, o Pacto dos Três Poderes pela Sustentabilidade Ambiental. Por outro lado, o governo enfrenta muitas dificuldades por conta do Congresso Nacional, que não é favorável à implementação dessas políticas de conservação do meio ambiente e redução de gases de efeito estufa, mesmo com os eventos climáticos extremos que impactaram o país de uma maneira extraordinariamente forte nos últimos anos, como a seca da Amazônia e as inundações no Rio Grande do Sul. Aonde vai se dar esse equilíbrio? A gente espera que ande na direção de políticas ambientais melhores para o país.
O rascunho mais recente das negociações sobre financiamento climático não estabelece valores específicos, o que gera incertezas sobre quanto os países em desenvolvimento receberão para enfrentar as mudanças climáticas. Financiamento climático é só mais uma conversa diplomática ou tem potencial para gerar mudanças concretas?
O financiamento climático é uma das principais questões internacionais que até agora ficou completamente descoberta - e, se bem ajustado, pode ser uma das ferramentas mais importantes no contexto das mudanças climáticas. Provavelmente um fundo será implementado na COP29, com valores certamente insuficientes para atender mesmo uma pequena parcela da demanda de adaptação para os países em desenvolvimento.
Mas, um dos aspectos mais importantes dessa discussão é, na verdade, quem administrará esse fundo. Os Estados Unidos pressionam para que seja administrado como o FMI (Fundo Monetário Internacional), que é controlado pelos próprios Estados Unidos. Os países em desenvolvimento não aceitam essa questão. E, então, na COP30 deverá ser feita uma reavaliação dessa decisão, que é absolutamente estratégica se quisermos efetivamente reduzir as emissões de gases de efeito estufa nos países em desenvolvimento.
Evidentemente, enquanto os países desenvolvidos, leia-se Estados Unidos, China, Rússia e Europa, não reduzirem as suas emissões, o papel dos países em desenvolvimento é muito, muito pequeno nesse cenário. Representa menos de 20% do total das emissões globais. Então, os dez maiores emissores, incluindo o Brasil, têm que fazer a sua lição de casa e reduzir suas emissões.
O senhor acredita que os modelos climáticos têm subestimado os impactos reais das mudanças climáticas? Quais são as razões para isso e como torná-los mais próximos da realidade?
Não. Não é que os modelos climáticos estão fazendo previsões erradas ou enganosas. A questão é que os compromissos das reduções de emissões dos países não estão sendo cumpridos. Então, obviamente, se esses cenários de emissões previstos nos modelos climáticos não se tornam realidade, as previsões não batem com a realidade.
O acordo de Paris tenta limitar o aumento de temperatura em 2°C ou o aumento desejável máximo de temperatura de 1,5°C. Em 2024, o aumento da temperatura comparado com valores pré-industriais já vai ser acima desses 1,5°C, algo que o acordo de Paris previa acontecer só em torno de 2030 a 2040. Então, obviamente, por causa da não redução de emissões de gases de efeito estufa e o não cumprimento das NDCs, inclusive pelo Brasil, a situação climática está se deteriorando rapidamente, como a ciência previa. O aumento dos eventos climáticos extremos, não só no Brasil, mas em todos os países do nosso planeta, é exatamente o que a ciência previa nos modelos climáticos.
O que é mais importante neste momento: nos adaptarmos ao novo clima ou mitigar o aquecimento global?
Não há a menor dúvida de que tudo tem que ser feito ao mesmo tempo porque o clima já mudou. Nós não temos o clima de 30, 40 anos atrás, e ele vai continuar mudando no futuro. Então, o Brasil, em particular, por ser um país tropical, é um dos mais vulneráveis às mudanças climáticas. Temos que fazer nossa lição de casa, reduzindo fortemente as emissões de gases de efeito estufa o mais rápido possível, para, inclusive, durante a COP30 ou ao longo dos próximos cinco anos, realizar pressões diplomáticas para que os demais países implementem políticas de redução de emissões.
O que ainda pode ser feito pela Amazônia?
A primeira tarefa é, evidentemente, acabar com o desmatamento da Amazônia, o desmatamento ilegal e também o desmatamento legal. Isso é fundamental. Também é fundamental trabalhar para a recuperação das áreas degradadas - nós temos áreas imensas de florestas que precisam ser restauradas ecologicamente. Não se trata de reflorestamento, mas de restauração ecológica, inclusive da biodiversidade original do ecossistema.
Mas, obviamente, nós estamos, ou a ciência está, observando recentemente um processo de degradação florestal muito importante na região amazônica, que faz com que a floresta comece a perder carbono para a atmosfera global. Isso é importante porque a Amazônia contém 120 bilhões de toneladas de carbono armazenadas em seus ecossistemas e, se um processo de degradação florestal se acelerar e parte deste carbono for lançado na atmosfera, todos aqueles cenários do IPCC vão se tornar uma realidade muito mais séria do que o modelado.
Então, o Brasil não pode perder tempo. Nós temos que zerar o desmatamento da Amazônia, temos que recuperar as áreas degradadas da região amazônica, temos que reduzir as emissões não só de desmatamento, mas também do setor agropecuário - para isso, a Embrapa é fundamental, com o programa de agricultura de baixo carbono - e temos que acelerar o uso de energia solar e energia eólica para abandonarmos completamente a exploração de petróleo para uso energético.
São tarefas urgentes para o Brasil, que esperamos que sejam implementadas pelo governo o mais rápido possível.
Recentemente, o senhor mencionou a importância de adotarmos um novo modelo econômico que atenda aos interesses de toda a população — um "novo contrato social". Poderia explicar como funcionaria esse modelo? É viável na prática no Brasil, considerando a relevância do agronegócio para a balança comercial e nossa exploração de petróleo?
Evidentemente todas essas medidas só são possíveis de serem adotadas se conseguirmos mudar o atual sistema econômico, que é baseado exclusivamente no maior lucro das empresas no menor espaço de tempo possível, não importando o impacto social, ambiental ou climático. Enquanto essa filosofia efetivamente não mudar, vai ser muito difícil o Brasil cumprir as suas metas. Isso depende de decisões políticas, obviamente não depende da ciência.
Ainda é possível alinhar ciência, governos e empresários?
Olha, nunca houve um desalinhamento. A ciência sempre fez o seu trabalho fazendo recomendações claras para o setor empresarial e para o governo. O governo tenta implementar medidas de proteção ambiental e proteção climática. Veja, por exemplo, o trabalho da Secretaria de Clima do Ministério do Meio Ambiente, com os programas de economia verde do Ministério da Fazenda e do BNDES. E parte das empresas também está adotando agendas cada vez mais voltadas para plataformas de ESG. Mas cada um dos setores tem suas próprias limitações. O que eu acho é que a pressão da opinião pública é muito importante para mudarmos o atual rumo de destruição dos ecossistemas naturais que o Brasil tem tido ao longo dos últimos anos.
Fonte: UOL Ecoa
Biocombustível de macaúba terá preço competitivo com do fóssil, diz diretor da Mubadala
Mercado de carbono é aprovado após acordos com agro, térmicas e distribuidoras
Na COP 29, Alckmin projeta Brasil como protagonista da nova economia global