O setor de biodiesel não tem tido vida fácil ao longo deste ano. Nos últimos meses os produtores amargaram quatro bimestres seguidos de mistura reduzida, sofreram com acusações de venderem um produto de má qualidade e viram seu mercado ser virado do avesso pela decisão do governo de acabar com os leilões de biodiesel. “Está todo mundo cansado”, reconheceu o diretor executivo de BiodieselBR.com, Miguel Angelo Vedana, na fala de abertura da Conferência BiodieselBR 2021.
Num momento em que os desafios parecem se empilhar, debater o futuro do setor se torna ainda mais urgente. Foi essa a missão do Painel 01 do encontro que aconteceu entre os dias 08 e 09 de novembro em São Paulo. Intitulado “Os Grandes Desafios do Biodiesel em 2022”, o painel apresentou os pontos de vista das três associações do setor – Abiove, Aprobio e Ubrabio –, da Frente Parlamentar Mista do Biodiesel (FPBio) e da Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP).
Descontentamento
Para os representantes dos produtores de biodiesel, o principal ponto de preocupação é a mudança do sistema de comercialização que acontecerá na virada do ano. O tamanho do descontamento do setor fica claro a medida em que termos fortes como “desastroso”, “brutal” ou “insano” apareceu nas falas – geralmente cuidadosas – de várias das mais importantes lideranças da indústria.
“A gente usou o termo ‘desastroso’ para descrever [o novo modelo]”, resumiu sem meias palavras o presidente executivo da Abiove, André Nassar, reclamando principalmente da regra que obriga os fabricantes a venderam, em 2022, ao menos 80% do volume de biodiesel que comercializaram este ano. “Isso não nos dá flexibilidade alguma”, protestou.
Na opinião de Nassar, essa regra cria uma tutela não apenas sobre o mercado de biodiesel, mas, também, sobre o de esmagamento de soja. “Acho que isso vai causar um estrago no setor”, resume acrescentando que, faltando poucas semanas para o lançamento do novo sistema de comercialização, nem os fabricantes e nem as distribuidoras têm certeza sobre qual será o nível de mistura obrigatória e nem sobre o preço final do produto uma vez que o modelo de tributação do produto ainda não está resolvido.
“[O biodiesel] é um programa fantástico que está sendo desmerecido [pelo governo]”, atacou o presidente da União Brasileira do Biodiesel e do Bioquerosene (Ubrabio), Juan Diego Férres. Ele que qualificou como “brutal” as consequências dos cortes da mistura obrigatório. “Perdemos mais de 1,1 bilhão de litros para os quais a gente já tinha comprado matérias–primas, insumos e feito contratações da agricultura familiar. (...) Isso não é justo e nem aceitável”, lamentou o empresário.
As perdas não ficam restritas às usinas, mas se alastram por cadeias adjacentes. “A cada litro de biodiesel a menos deixam de ser produzidos quatro quilos de farelo de soja”, lembra Juan Diego apontando que isso impacta nos custos na indústria de proteína animal justamente num momento em que a inflação nos alimentos está se tornando um problema agudo para o país. “É desesperador ver os navios de soja saindo do país com um produto sem industrialização (...) estamos deixando de empregar as pessoas aqui”, indignou-se.
Para Juan Diego a implantação do novo modelo de comercialização sem a definição de um sistema tributário vai representar “uma trombada” sobre o setor produtivo. “É inacreditável. Tem mais de um ano que o novo modelo está em discussão e que já se sabe do problema [da tributação] e não vai ser resolvido. Isso é insano e essa insanidade vai aparecer em primeiro de janeiro do ano que vem”, reforça apontando para a possibilidade da produção de biodiesel simplesmente parar. “Um programa [do biodiesel] de 6,5 bilhão de litros vai simplesmente parar”, aponta.
A mesma indignação aparece na fala do presidente da Associação dos Produtores de Biocombustíveis do Brasil (Aprobio), Francisco Turra. “Se o mundo caminha para a descarbonização, como pode um instrumento que melhora a situação do País ser jogado de lado?”, questiona-se lembrando que a produção de biodiesel também é um elemento não só para a geração de empregos verdes como ainda um fator para abastecer o mercado interno de insumos para a criação de aves e suínos.
Turra lembrou que, poucos dias antes, o governo brasileiro havia anunciado metas de descarbonização mais agressivas na COP26 em Glasgow, na Escócia. “Eu acredito que somos um País sério (...) e que o Brasil vai cumprir suas metas”, defendeu lembrando que o biodiesel será indispensável.
Ele ainda cobra mais comunicação por parte do setor. “Nosso setor tem que ser mais bem compreendido. Temos que falar que geramos empregos verdes e entregamos redução de emissões”, ressaltou.
Guerra de narrativas
Para o presidente da Frente Parlamentar Mista do Biodiesel (FPBio), deputado federal Pedro Lupion, o setor acabou sendo tragado por uma “guerra de narrativas” que fez com que o governo passasse a ver o biodiesel como fator de risco numa rusga com grupos de caminhoneiros que ameaçavam repetir o movimento grevista que parou o país em 2018. “Entramos numa discussão política ligada ao preço do diesel e da ameaça de greve de caminhoneiros. Essa guerra nos prejudicou”, lembra apontando para as decisões do governo de reduzir a mistura obrigatória e chamando de “facada” a volta ao B10 no último bimestre ano depois a volta ao B12 no quinto bimestre.
Segundo Lupion, o setor vem colecionando desafios que precisam ser enfrentados separadamente. “Precisamos de prioridade e, para a frente, a prioridade é retomar o aumento da mistura”, diz. Ele reforçou que os parlamentares do grupo têm se articulado para continuar pressionando o governo. “Temos que ter capacidade de fazer força e temos gente do Brasil inteiro trabalhando conosco para buscar soluções”, explica Lupion. Esclarece que, no entanto, outros setores econômicos também têm seus interesses que nem sempre estão alinhados com os dos setores de biodiesel. “Eles também têm a força deles. (...) Eu falava com o ministro [de Minas e Energia], passava 10 minutos a Anfavea vinha e desdizia tudo o que eu tinha dito”, avalia considerando que tem havido “um cabo de guerra”.
Um fator importante seria que os diferentes atores do setor alinhassem seus discursos para poder fazer uma contraofensiva organizada. “O setor tem que ter o mesmo discurso para ter força lá na frente. (...) Não tenho dúvida que temos a força e o cenário necessário para voltar a crescer”, aponta.
Angústia
“Eu vejo no mercado a natural angústia de confrontar-se com o novo”, respondeu a diretora da ANP, Symone Araújo, lembrando que ela estava no Ministério de Minas e Energia (MME) quando o PNPB estava sendo desenhado em 2004. Ela ressaltou que a ANP tem o dever de proteger o consumidor em termos de preços, qualidade e abastecimento. “Não vamos abrir mão de proteger o consumidor”, reafirmou.
Quanto às críticas dos fabricantes ao mercado atual, Symone apontou que a agência quer que o setor “evolua para o mercado spot”. “Nessa transição fomos muito ciosos com o abastecimento”, considera.
Em outras frentes ligadas aos desafios do setor, a ANP vem avançando. De acordo com Symone, tem havido avanços na definição de uma nova especificação do biodiesel. “Tem uma enorme discussão em termos de qualidade”, diz acrescentando que a agência está em processo de criação do Programa de Monitoramento da Qualidade do Biodiesel (PMQBio). “O PMQBio vai começar em 2022, mas o debate sobre a qualidade está acontecendo hoje”, complementa.
Fonte: BiodieselBR
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