Os biocombustíveis desempenham um papel fundamental na descarbonização do setor de transportes. As atuais políticas de expansão da produção e de uso em escala global, porém, não são suficientemente ambiciosas, avalia a Agência Internacional de Energia (IEA, na sigla em inglês).
A fim de superar esse entrave, a IEA avaliará a eficácia das políticas implementadas por países líderes na produção de combustíveis de baixo carbono para o transporte, como o Brasil. Os objetivos são ajudá-los a identificar os gargalos, apontar as ações necessárias e compartilhar as melhores práticas a fim de auxiliar outras nações a avançar na agenda da bioenergia.
A iniciativa foi apresentada por representantes da instituição durante a quarta Brazilian Bioenergy Science and Technology Conference (BBEST), que aconteceu de forma on-line entre os dias 30 de novembro e 2 de dezembro.
O evento faz parte das atividades do Programa FAPESP de Pesquisa em Bioenergia (BIOEN) e aconteceu paralelamente à segunda edição da Biofuture Summit, promovida pela Plataforma Biofuture – consórcio formado por 20 países, incluindo o Brasil, com o objetivo de fomentar soluções de transporte de baixo carbono e a bioeconomia.
“Estamos confiantes de que o compartilhamento das melhores práticas, avaliadas com metodologias rigorosas, fará com que mais países adotem políticas eficazes para implantar a bioenergia de forma sustentável, criar empregos e reduzir as emissões de dióxido de carbono, de modo a atingir as metas energéticas e climáticas globais”, disse Faith Birol, diretor-executivo da IEA, na abertura do evento.
Em fase-piloto, o projeto terá políticas voltadas ao desenvolvimento de biocombustíveis para transporte e abrangerá, inicialmente, cinco países. No momento estão sendo analisadas as políticas implementadas pelo Brasil, Estados Unidos e Países Baixos.
“A ideia é fazer uma caracterização do cenário da bioenergia nesses países, que apresentam diferenças em termos de maturidade de mercado e acesso a tecnologias, por exemplo, descrever e analisar suas políticas de bioenergia”, explicou Paolo Frankl, líder da divisão de energias renováveis da IEA.
“Esse trabalho resultará na produção de indicadores da evolução da produção e uso de biocombustíveis nesses países e em uma análise de seus portfólios de políticas de bioenergia”, afirmou Frankl.
A contribuição da bioenergia no consumo final de energia e a participação dos combustíveis de baixo carbono no total da energia utilizada pelo setor de transporte dos países serão algumas das métricas para a construção dos indicadores.
Serão também analisadas as taxas de crescimento dos biocombustíveis nesses países e seu alinhamento com cenários de desenvolvimento sustentável de bioenergia projetados pela IEA, além do montante de gases de efeito estufa que o país deixa de emitir com o uso de biocombustíveis.
Os seis critérios de avaliação das políticas implementadas pelos países serão: grau de prioridade da bioenergia no planejamento energético, segurança e clareza das políticas, acesso ao mercado, apoio financeiro, governança e estímulo à inovação no setor.
“Partimos do princípio de que as políticas precisam ser adaptadas ao contexto específico de cada país e que não existem balas de prata, ou seja, soluções que sirvam para todos. Também há diferentes políticas por meio das quais é possível obter resultados eficazes semelhantes”, avaliou Frankl.
Em relação às políticas para garantir o acesso da bioenergia ao mercado, o Brasil, por exemplo, estabeleceu a obrigatoriedade da mistura de 27% de etanol na gasolina. Os Países Baixos seguiram uma linha semelhante ao estabelecer a obrigatoriedade de mistura de etanol e biodiesel.
“Temos discutido como implementar uma série de políticas voltadas a estimular o uso de biocombustíveis no setor de transporte, aviação e marítimo”, disse Kees Kwant, ministro de Relações Econômicas e Climáticas dos Países Baixos.
Os mecanismos econômicos usados pelos Países Baixos e o Brasil para expandir a produção e o uso de biocombustíveis também se assemelham: pautam-se pela emissão de certificados de descarbonização por produtores de etanol e de biodiesel e pela compra desses papéis por empresas que vendem derivados de petróleo em proporções equivalentes aos volumes vendidos.
No Brasil, os distribuidores já detêm cerca de 60% dos certificados de descarbonização instituídos pelo programa Renovabio, necessários para atingir a meta de comercialização estipulada para este ano, de mais de 20 milhões de certificados dos chamados Créditos de Descarbonização por Biocombustíveis (CBios), disse Danielle Machado e Silva Conde, superintendente adjunta de biocombustíveis e qualidade de produto da Agência Nacional do Petróleo (ANP).
“Mais de 200 produtores de bioenergia já foram certificados e mais de 15 milhões de CBios – equivalentes a 15 milhões de toneladas de emissões de CO2 evitadas – foram registrados este ano”, afirmou Bento Albuquerque, ministro de Minas e Energia.
Ação urgente
De acordo com dados da IEA, a produção e uso de biocombustíveis, que representam 50% do total da bioenergia consumida no mundo hoje, vêm crescendo, mas em ritmo muito menor do que o necessário para atingir as metas de desenvolvimento sustentável do setor energético. Além disso, o setor foi severamente atingido pela crise econômica causada pela pandemia de COVID-19, que resultou em uma queda de 12% na produção – a primeira após duas décadas de crescimento (leia mais em https://agencia.fapesp.br/34472/).
Para reverter esse declínio e promover a retomada do crescimento dos biocombustíveis, os representantes da Biofuture estão conclamando as nações a adotarem os princípios para incentivar a implementação de políticas e programas de recuperação e aceleração da bioeconomia pós-COVID-19 propostos pelos 20 países-membros da Plataforma.
Um desses princípios é que os países não devem retroceder em relação às metas estabelecidas antes da pandemia para a promoção dos biocombustíveis e a bioeconomia. Outro princípio é a reavaliação dos subsídios aos combustíveis fósseis.
“A Plataforma Biofuturo tem sido fundamental para preencher uma lacuna no debate ambiental e energético internacional, no qual o papel e a necessidade de uma bioenergia sustentável têm sido amplamente ignorados. Desde o lançamento da Plataforma, os países-membros anunciaram e trabalharam em novas políticas e programas importantes para a bioenergia, biocombustíveis e bioeconomia”, disse Ernesto Araújo, ministro das Relações Exteriores.
Como posição de destaque no desenvolvimento da bioeconomia, o Brasil pode liderar a resposta global à situação atual ao fomentar parcerias internacionais em tópicos-chave como uso responsável da terra e tecnologia de colheita, avaliaram os participantes do evento, que reuniu 450 inscritos, de 34 países.
“O Brasil é referência em bioenergia por ter desenvolvido matriz energética amplamente renovável, em grande parte devido ao sucesso de sua indústria de biocombustíveis. Um dos fatores que contribuíram para isso é a existência no país de uma comunidade de pesquisa robusta que tem ajudado a resolver diversos desafios de ciência e tecnologia na área”, avaliou Glaucia Mendes Souza, professora do Instituto de Química da Universidade de São Paulo (IQ-USP) e membro da coordenação do Programa BIOEN.
O presidente da FAPESP, Marco Antônio Zago, destacou que o Programa BIOEN, que visa o avanço do conhecimento básico e aplicado em áreas relacionadas à produção de bioenergia, faz parte da missão da Fundação de apoiar pesquisas que contribuam para o desenvolvimento do Estado de São Paulo.
“Desde o início do Programa BIOEN, que tem obtido um grande sucesso, uma das preocupações dos pesquisadores tem sido a proteção do meio ambiente, promovendo, por exemplo, a redução do consumo de água pela indústria sucroenergética”, disse Zago.
Fonte: Agência FAPESP
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