A transição para energias limpas pode ser travada pelo seu próprio sucesso
As energias renováveis estão se impondo ao mercado. Nenhuma outra fonte energética cresce tanto. Portugal só tem a ganhar com isso, pois dispomos de alguma hidroeletricidade e de bastante sol e vento - e não temos petróleo nem gás natural. Há dias foi anunciado a construção de um parque solar em Alcoutim, que deverá ser o maior da Europa. Em 2016 os projetos de energia solar tornaram-se, pela primeira vez, rentáveis sem contar com subsídios governamentais.
As renováveis têm sido subsidiadas, fato que suscita por vezes críticas. Mas os custos dessa produção estão diminuindo, graças a progressos tecnológicos e à maior eficiência energética por parte dos consumidores. É uma tendência que esperamos ver acentuada, até porque os custos marginais (isto é, por cada unidade adicional produzida) das eólicas e dos parques solares são quase zero.
Não interromper o abastecimento
Mas há outros subsídios nesta área. As renováveis, nomeadamente a solar e a eólica, não garantem uma produção contínua - às vezes falta o sol, ou o vento
A solução para este problema consiste em subsidiar os produtores com centrais térmicas, a carvão e a gás, para estarem preparados para produzir eletricidade a qualquer momento, evitando falhas no abastecimento. No ano passado foram entregues à EDP e à Endesa 29 milhões de euros para este efeito, dinheiro que os consumidores em Portugal acabam por pagar através da fatura da eletricidade. Agora este valor deve cair pela metade, graças a uma decisão governamental, o que é uma boa notícia para os consumidores.
Acontece que, no mundo, os combustíveis fósseis - petróleo, gás e carvão - ainda recebem mais do dobro dos subsídios destinados às energias renováveis, embora nos últimos anos tenhamos tido um decréscimo considerável. E é preciso que baixem mais, de maneira a não agravarem as mudanças climáticas. Vale lembrar que as energias provenientes de combustíveis fósseis são responsáveis por dois terços das emissões mundiais de gases de efeito estufa.
O semanário inglês The Economist, publicou em sua edição da semana passada, matéria que chama atenção para o futuro das renováveis e a exigência de um enorme investimento na produção, transporte e comercialização de eletricidade limpa. Ora, quanto mais crescem as renováveis, mais baixa o preço da energia proveniente de qualquer fonte, o que não incentiva a investir. Já se notam, na Europa e na China sobretudo, abrandamentos no investimento em renováveis, atrasando a desejável transição para as energias limpas. O que evidencia a necessidade de repensar o sistema de preços para acelerar tal transição.
Repensar o sistema de preços
Antigamente, quando a energia elétrica era fornecida sobretudo por grandes empresas estatais, até se podia levar em conta essa métrica. Mas, hoje, apenas 6 por cento dos consumidores mundiais de eletricidade são abastecidos por monopólios.
A sistemática de subsidiamento dos preços afasta os mecanismos de mercado no setor, onde a intervenção política cresce. O mercado não acerta sempre, decerto, mas a intervenção estatal tende a errar mais. O Economist propõe uma reforma do mercado energético, tornando-o mais flexível - tanto do lado da produção como do consumo. Os progressos tecnológicos em baterias, digitalização, etc. ajudam famílias e empresas a modularem a sua procura energética - gastando mais eletricidade à noite, por exemplo, como hoje já acontece. Do lado da produção e distribuição, há de se apostar em formas eficazes de armazenar eletricidade. E os preços da energia deveriam, nesta perspectiva, variar com maior frequência, refletindo as flutuações do tempo atmosférico.
Trata-se, em suma, de impedir que a transição para energias limpas seja travada pelo seu próprio sucesso.
Texto de Francisco Sarsfield Cabral - jornalista português especialista em assuntos econômicos e políticos.
Fonte: Blog Renascença