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14 fev 2025

A produção de biocombustíveis no Brasil não interfere na produção de alimentos

Artigo de Orlando Merluzzi, Gestor do Acordo de Cooperação Mobilidade de Baixo Carbono para o Brasil (MBCB)

A corrida contra o tempo para minimizar os impactos das mudanças climáticas não pode justificar soluções superficiais e unidirecionais. Há interesses econômicos e tecnológicos de todos os lados, em um movimento compreensível que precisa ser alinhado com realidades regionais.

A transição energética demanda um equilíbrio cuidadoso com os aspectos alimentar e ambiental. O Brasil, líder em biocombustíveis e com uma entre as matrizes mais limpas e renováveis do planeta, tem 50% da oferta primária de energia gerada a partir de fontes renováveis, e ao considerarmos apenas a matriz de produção de eletricidade o índice de fontes renováveis sobe para 85% – os dados são da Empresa de Pesquisa Energética (EPE) e Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel). Comparando o Brasil com países desenvolvidos, onde a geração de eletricidade é majoritariamente proveniente de fontes fósseis e finitas, nossa posição privilegiada não desperta apenas admiração. Alguns fatores na ordem da vitrine global são abundantes no Brasil, entre eles os recursos minerais e a capacidade de produção de alimentos e de energia sustentável. Nesse ponto, os biocombustíveis assumem o protagonismo para o País e naturalmente a necessidade de enfrentarmos barreiras temáticas levantadas por blocos econômicos desenvolvidos, mas com menor competitividade agrícola.

Ao endereçarmos a necessidade de reduzir as emissões de gases de efeito estufa na mobilidade, o Brasil é o único país, atualmente, em condições de oferecer a maior gama de alternativas tecnológicas apoiadas na diversidade dos bioenergéticos. Todas as rotas tecnológicas são parte da solução para a descarbonização na mobilidade e temos nos biocombustíveis a maior vantagem competitiva e oportunidades socioeconômicas.

Biodiesel, biogás, biometano, etanol e o enorme potencial para HVO, hidrogênio verde e SAF (sustainable aviation fuel) fazem do Brasil um país estratégico para o atendimento das demandas globais e metas setoriais de descarbonização, sem deixar de lado a eletrificação, híbrida ou pura, gerada a partir de fontes limpas e renováveis. Qual outro país com dimensões continentais, bom mercado consumidor e localização estratégica pode apresentar tal cenário?

O biocombustível é derivado da biomassa recente (não fóssil), sendo matéria orgânica utilizada para produção de energia.

O etanol é o energético mais limpo disponível para a frota circulante de veículos e até como matéria-prima no processo de produção de outros biocombustíveis. Somos o único país que dominou plenamente o ciclo produtivo da cana-de-açúcar, oferecendo uma solução socioeconômica eficiente para descarbonizar o transporte. Mas a cana-de-açúcar não é a única fonte de produção de etanol. A área utilizada no Brasil para produção de etanol não ultrapassa 1% do território, incluindo as áreas utilizadas para produzir o etanol de milho, que utiliza o milho de segunda safra. Há pesquisas avançadas que indicam a possibilidade de o País dobrar a produção de etanol em uma década sem o correlato aumento da área cultivada. A produção do etanol de primeira e segunda gerações representa o maior exemplo de sucesso em um processo circular de captura de carbono e entrega de energia limpa, e está em desenvolvimento o etanol de terceira geração a partir da biomassa marinha, além de outros processos de produção a partir de culturas regionais – fontes: União da Indústria de Cana-de-Açúcar (Unica), União Nacional da Bioenergia (Udop) e Embrapa.

Em termos de competição com a produção de alimentos, não há risco de a produção de biocombustíveis no Brasil afetar a capacidade da entrega nutricional e alimentar. O território tem 851 milhões de hectares, sendo 65% de vegetação nativa (554 milhões de hectares). Dos 35% restantes, 30% são áreas de agricultura e pastagens, equivalentes a quatro vezes o tamanho da França. A área destinada à agricultura no Brasil ocupa 9,5% do território, e as áreas de pastagens ocupam pouco mais de 20% do território. Porém, 28 milhões de hectares de pastagens são degradados e plenamente recuperáveis, os quais poderão adicionar, com sustentabilidade, até 35% de área para agricultura nos próximos anos. Assim, a área para plantio, que hoje ocupa com folga 9,5% do território nacional, subirá para 109 milhões de hectares, ou pouco mais de 12% do território – fontes: Companhia Nacional de Abastecimento (Conab) e Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Para efeito de comparação, as áreas de pastagens e agricultura nos Estados Unidos, na França e na Alemanha ocupam, respectivamente, 36%, 45% e 46% do território de cada país.

A produtividade agrícola brasileira é invejável e o clima em algumas regiões do país favorece a produção de até três safras anuais. Isso, aliado à elevada tecnologia do agronegócio brasileiro, nos torna uma potência para produzir biocombustíveis e alimentos, enquanto outros países convivem com apenas uma safra anual.

Biocombustíveis como diesel verde ou HVO, biodiesel e SAF utilizam matérias-primas renováveis, resíduos de biomassa, gorduras de origem vegetal e animal e diversos resíduos das atividades agroindustriais, que em geral não serão utilizadas como alimento. Em adição, parte desses resíduos, ao ser utilizada na produção dos biocombustíveis, evita o descarte na natureza e um passivo ambiental. O Brasil descarta, anualmente, 350 milhões de toneladas de resíduos ricos em carboidratos, e, de acordo com o Plano Nacional de Resíduos Sólidos, o País produz mais de 800 milhões de toneladas de resíduos orgânicos e só 2% têm destino correto, ou seja, 780 milhões de toneladas vão para os aterros sanitários. Os dados são da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), Petrobras, Embrapa e Associação Brasileira de Empresas de Limpeza Pública e Resíduos Especiais (Abrelpe).

Por fim, mas não menos importante, temos a produção de biogás, basicamente constituído por metano produzido na decomposição anaeróbica. Obtido por fermentação em biodigestores de resíduos agrícolas, em aterros sanitários e em estações de tratamento de esgoto, o biogás é um combustível renovável com menor pegada de carbono que o gás natural e, quando purificado em um processo que o leva à condição de biometano, resulta em um combustível que emite, no mínimo, 70% menos dióxido de carbono, e dependendo da fonte pode chegar a 90% de redução, comparado aos combustíveis fósseis em ciclo do poço à roda – fontes: Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP) e Associação Brasileira do Biogás e do Biometano (Abiogás).

A segurança energética vai muito além de garantir a produção e o abastecimento de biocombustíveis e de eletricidade. O desafio passa pela produção, distribuição logística, gestão do armazenamento e entrega na ponta consumidora, em um país com dimensões continentais e diversidades regionais. O mesmo desafio, de forma análoga, pode ser visualizado na segurança alimentar, passando pela produção do alimento, distribuição, armazenamento, acessibilidade e gestão do desperdício. Os dois cenários requerem alinhamento de políticas públicas responsáveis, com visão socioeconômica e ambiental, abordando, também, as questões básicas de educação e desenvolvimento de competências, que atrairão os investimentos necessários para que todas as demandas em curto, médio e longo prazos sejam atendidas.

A transição energética requer políticas que integrem diversificação de fontes, planejamento territorial sustentável e inovação tecnológica. A diversificação garante resiliência e reduz os riscos de dependência. O Brasil está no caminho certo com as recentes políticas públicas implementadas para os objetivos da descarbonização. Contudo, fica claro e evidente, pelos dados expostos, que não há competição entre a produção de biocombustíveis e a produção de alimentos. Discursos contrários a isso devem ser recebidos com cautela, principalmente em um ano de Conferência das Nações Unidas sobre Mudança do Clima, a COP-30, no País.

Fonte: Estadão

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