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14 fev 2025

É o fim da transição energética?

Artigo de Clarissa Lins, economista com graduação e mestrado pela PUC-Rio, sócia-fundadora da Catavento Consultoria

Segundo o escritor inglês Aldous Huxley, “os fatos não deixam de existir só porque são ignorados”. Em um contexto em que a desinformação permite que diversas narrativas ganhem tração, é fundamental ater-se aos fatos e aos dados. Assim, o ano de 2024 atingiu alguns marcos importantes na área de clima e energia que merecem análise.

Como já divulgado, este foi o ano mais quente desde que há registros de temperatura, excedendo o limite de +1,5°C em relação à era pré-industrial. Em consequência, o mundo enfrentou severos eventos climáticos extremos, tais como enchentes, ondas de calor extremo, secas e incêndios. O respeitado cientista Johan Rockstrom atestou em Davos que tais eventos não ocorrem de forma isolada e que o fato de estarem conectados amplia os seus impactos. Por outro lado, a melhoria nos estudos de atribuição dos eventos climáticos extremos permite hoje comprovar a sua conexão com o aumento das emissões de gases de efeito estufa de origem antropogênica.

Desta forma, 2024 atingiu a marca de ano mais custoso em termos de eventos climáticos, com danos chegando a US$ 348 bilhões, dos quais cerca de 60% sem cobertura de seguro e representaram perdas econômicas.

Não causou espanto, portanto, a divulgação dos riscos globais na reunião anual do Fórum Econômico Mundial realizada em Davos em janeiro. Baseada em entrevistas com 900 especialistas ao redor do mundo, oriundos da academia, do setor privado, da sociedade civil e do governo, a percepção dos riscos globais destaca a relevância dos eventos climáticos extremos. Estes aparecem no topo da lista (em 1º ou 2º lugar) em termos de severidade em todos os horizontes temporais contemplados (atual, até 2027 e até 2035), para todas as faixas etárias (de menos de 30 anos a mais de 70) e todos os grupos contemplados, com exceção do setor privado. Neste caso, tais riscos estão em 4º lugar no horizonte 2027, perdendo para desinformação e conflitos armados. No longo prazo (2035), quatro dentre os cinco principais riscos estão relacionados a fenômenos climáticos e suas consequências sobre a natureza.

Na área de clima, portanto, dados e fatos ilustram claramente que a urgência está posta e que o custo da inação cresce e se espalha ao redor do mundo, elevando a percepção de risco global.

Em paralelo, quando analisamos a evolução recente dos sistemas energéticos globais, é importante reconhecer que estão em transformação, dando espaço para tecnologias de baixo carbono. Todavia, este é um movimento lento, não linear e distribuído de maneira desigual, além de privilegiar tecnologias maduras.

Em relatório recém-lançado, a BloombergNEF confirma que os investimentos em transição energética superaram a marca de US$ 2 trilhões em 2024. Isto confirma a atratividade de tecnologias de baixo carbono, embora uma leitura mais atenta mereça ser feita.

O ritmo de crescimento desses investimentos desacelerou, de cerca de 25% entre 2021 e 2023 para 11% em 2024. Este comportamento não foi uniforme ao redor do mundo, uma vez que a China continua sendo o principal investidor em tecnologias renováveis. Somando um total de US$ 818 bilhões, cerca de 4,5% do PIB, os investimentos chineses superaram os de EUA, Europa e Reino Unido juntos. Olhando pela ótica de contribuição para o aumento dos investimentos, a China respondeu por 2/3 do crescimento total em 2024.

Há, portanto, um claro desbalanceamento regional na alocação dos recursos. A Europa reduziu o ritmo de investimentos, ao passo que os EUA estagnaram em um patamar de US$ 338 bilhões, cerca de 1,2% do PIB. Países emergentes, por sua vez, conseguiram nos últimos anos atrair apenas 15% dos investimentos, ao passo que representam 2/3 da população e geram 1/3 do PIB global.

Tecnologias nascentes só terão competitividade e escala se lastreadas em políticas públicas que visem o baixo carbono

As tecnologias que mais atraíram recursos foram aquelas com elevado nível de maturidade – ou seja, tecnologias consolidadas e já produzidas em escala. A eletrificação da mobilidade lidera o ranking, com investimentos de US$ 757 bilhões, seguida de perto de geração em energia renovável, notadamente solar e eólica (US$ 728 bilhões). Tendo em vista o aumento percentual das fontes renováveis no mix elétrico total (30% em 2024 vs 22% em 2014), foi também necessário investir na modernização das redes elétricas (US$ 390 bilhões), bem como em novos sistemas de armazenamento de energia (US$ 54 bilhões), os quais conferem mais flexibilidade e confiabilidade às próprias redes.

Tais investimentos já se traduzem em avanços concretos de implementação. Na China, veículos elétricos representaram 45% das vendas totais em 2024. Na Europa, a parcela de geração renovável na matriz elétrica atingiu 47% em 2024 vs 34% em 2019, associada a um declínio de 39% para 29% na participação das fontes fósseis.

Por outro lado, tecnologias não tão maduras receberam menos recursos do que no ano anterior. Com efeito, os investimentos em captura e armazenamento de carbono (CCS), hidrogênio verde, descarbonização da indústria, energia nuclear e navegação limpa sofreram redução de 23% em relação a 2023 e representaram apenas 7% do total (US$ 155 bilhões). Isto revela que tecnologias inovadoras ainda não atingiram o nível de competitividade necessário frente às alternativas fósseis.

Nestes casos, políticas públicas efetivas – tais como precificação de carbono, mandatos de redução de emissão, fomento à demanda por produtos de baixo carbono – ainda são necessárias. Tecnologias nascentes só ganharão competitividade e a escala necessária se lastreadas em políticas públicas que privilegiem as rotas de baixo carbono.

Isto torna-se ainda mais urgente quando analisamos a rigidez dos sistemas energéticos e sua dependência de fontes fósseis. O mundo continua ávido por óleo, gás natural e carvão, mesmo sabendo que sua produção e consumo respondem por cerca de 70% das emissões globais. As fontes fósseis ainda representam, globalmente, 83% da matriz energética e 59% do mix elétrico.

Neste cenário, duas grandes mensagens ficam claras. Mesmo que narrativas duvidem da necessidade da ação climática, o custo da inação impõe-se de forma latente e crescente. Por outro lado, a transição energética, ainda que mais lenta, desafiadora e custosa do que inicialmente pensada, tende a ser guiada por forças de mercado e lastreadas em políticas públicas efetivas. Não há segurança energética sem segurança climática.

Fonte: Valor Econômico

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