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14 fev 2025

Ar piora com mudanças climáticas e já custa US$ 1 bi por ano ao Brasil

Em setembro de 2024, o ar insalubre respirado em São Paulo virou notícia e preocupação nacional durante uma semana, nos cinco dias em que o principal centro econômico do país ficou em primeiro lugar no ranking de cidades com o ar mais poluído do mundo feito pelo instituto suíço IQ Air. A posição incômoda foi causada, principalmente, por queimadas no interior do Estado, que levaram fumaça suficiente para encobrir o céu da capital paulista e de vários outros municípios.

No mesmo período, moradores de todas as regiões do país viram o céu com tons avermelhados, resultado de 156 mil focos de incêndio registrados no território nacional. Com o controle da situação e a chegada das chuvas de verão, o tema perdeu visibilidade, mas o problema segue presente.

Especialistas ouvidos pelo Valor destacam que tanto autoridades quanto empresas brasileiras precisam entender com urgência a importância de investir na melhoria da qualidade do ar – inclusive no interior de casas e edifícios. Dados já apontam o impacto nocivo sobre a saúde da população e, consequentemente, na produtividade.

“Considerando somente temperaturas anormais, ainda sem colocar os agravantes da poluição, o prejuízo do Brasil devido ao ar ruim que a população respira é de US$ 1 bilhão por ano. Ao incluir os fatores nocivos da poluição, isso pode triplicar e chegar a US$ 3 bilhões [aproximadamente R$ 17,3 bilhões]”, afirma Paulo Saldiva, médico patologista e professor da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (USP).

Referência em estudos sobre o impacto da qualidade do ar no Brasil, Saldiva explica que a estimativa do prejuízo tem como base o os anos produtivos de vida perdidos, métrica que indica como mortes precoces ou em etapas da vida em que indivíduos são criativos e produtivos punem todo o coletivo, que fica privado do potencial econômico e intelectual da vítima.

A Organização Mundial da Saúde (OMS) estima que 7 milhões de mortes prematuras por ano decorram da poluição do ar, principalmente devido ao elemento tóxico material particulado com diâmetro equivalente ou menor do que 2,5 mícrons de diâmetro (MP2,5). O ar leva a mais de 50 mil mortes anuais só no Brasil, estima a OMS.

Saldiva explica que as doenças mais comuns causadas ou agravadas pela baixa qualidade do ar são respiratórias e cardiovasculares, além do câncer de pulmão. O problema também afeta o desenvolvimento pulmonar de crianças o que tende a afetar a saúde e a produtividade delas no longo prazo. Somam-se ainda o aumento de custos sobre o sistema de saúde e a necessidade de lidar com o cenário em meio aos efeitos das mudanças climáticas, o que torna a realidade mais complexa tanto em períodos de seca extrema, com incêndios florestais, como de chuvas muito fortes, já que inundações acelera a proliferação de bactérias e mofo.

Henrique Cury, CEO da EcoQuest, que oferece soluções para tratamento do ar interno principalmente de estabelecimentos comerciais, comenta que ainda enfrenta dificuldades para convencer empresários e diretores de empresas dos benefícios a curto e longo prazo de dar atenção ao tema. O efeito mais imediato, diz, é a queda no absenteísmo, já que os funcionários adoecem muito menos.

Aumento dos desastres

Cury pondera que a partir da pandemia houve maior conscientização e que isso aumenta perceptivelmente a cada desastre natural ou catástofres, como quando há queimadas de grandes proporções que levam fumaça para metrópoles ou mesmo em casos de inundações, como a de 2024 no Rio Grande do Sul.

“Os desastres climáticos sempre estão relacionados com a qualidade do ar de alguma maneira”, diz. “Antes, era muito mais comum ouvir os responsáveis das empresas questionando os ganhos em investir na qualidade do ar interno. Esse questionamento ainda aparece com alguma frequência, mas essas ocorrências despertaram mais interesse em olhar para o tema.”

Cury afirma que a sociedade precisa dar mais atenção e cobrar ações de autoridades e empresas, mas celebra esforços da lei que estabeleceu os parâmetros para a Política Nacional de Qualidade do Ar e a PEC da senadora Mara Gabrilli. Lembra que até então a única referência era uma norma da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) que obrigava as empresas a fazer monitoramento da qualidade do ar a cada seis meses – a medida foi tomada após o ministro das Comunicações, Sergio Motta, morrer em 1998 devido a contaminação por fungos no sistema de ar condicionado.

“Mas quase ninguém fazia esse monitoramento. Essas iniciativas mais recentes que dão maior respaldo jurídico para fiscalização são muito bem-vindas. Muitas empresas achavam muito abstrato e não faziam nada. Só que quando acontece um desastre como a pandemia ou queimadas que deixam nítida a péssima qualidade do ar, os empresários também começam a prestar atenção”, afirma o CEO da EcoQuest. “O abstrato ficou mais concreto para as empresas. A cultura está começando a mudar.”

Estudo assinado por Saldiva com outros autores e publicado pelo National Center for Biotechnology Information (Ncbi) aponta que, entre 2000 e 2016, mortes causadas por incêndios florestais ocasionou perdas de US$ 81 bilhões – cerca de R$ 500 bilhões.

O objetivo por trás das pesquisas é respaldar cientificamente decisões que direcionem investimentos para prevenir eventos extremos que pioram a qualidade do ar. No entanto, Saldiva diz que o Brasil ainda não tenha política de Estado consistente para melhorar a qualidade do ar. “Não é só uma questão ambiental. É uma questão de cidadania, de direitos fundamentais das pessoas”, afirma. O professor ressalta que houve avanços recentes, mas ainda insuficientes.

No ano passado, a promulgação da Lei 14.850/2024 estabeleceu a Política Nacional de Qualidade do Ar com princípios e diretrizes relacionadas ao tema. Entre as obrigações previstas na lei, constam definições sobre poluentes atmosféricos e a elaboração de inventários de emissões, documentos que permitiriam o mapeamento das fontes de emissão de uma atividade econômica ou empresa, além da quantificação, monitoramento e registro.

Considerando só temperaturas anormais, sem os agravantes da poluição, o prejuízo do Brasil devido ao ar ruim é de US$ 1 bilhão por ano”

— Paulo Saldiva

Na avaliação do coordenador de projetos do Instituto de Energia e Meio Ambiente (Iema), David Tsai, a lei ainda está longe de ser cumprida. Ele explica que a maioria dos Estados não tem estações de monitoramento suficientes para gerar dados confiáveis.

Monitoramento

“Poucos Estados sequer se preocupam em monitorar a qualidade do ar. É um desconhecimento generalizado” critica Tsai. “Não temos dados para dizer se a qualidade do ar está ruim ou boa. E o inventário de emissões, que é uma estimativa da quantificação da carga de poluentes que está sendo lançada na atmosfera, nenhum Estado brasileiro tem completo. Existem apenas pedaços”, afirma.

“A qualidade do ar é um tema invisível e, assim como as mudanças climáticas, é de responsabilidade difusa. Como não tem um único poluidor responsável pelo problema, é muito difícil fazer a cadeia completa de causa e efeito. Só é possível se houver vontade de todos os agentes para colaborar.”

De acordo com estudo do Iema, o Brasil conta com 245 estações de monitoramento que apontam como está a poluição do ar, mas precisa de, no mínimo, mais 46 seguindo os padrões dos EUA ou mais 138 estações pelos padrões da União Europeia – ambos citados como referências no tema do monitoramento da poluição.

A pesquisa aponta ainda que as regiões metropolitanas de Brasília, Goiânia e Manaus estão entre as localidades com maior defasagem de monitoramento da qualidade do ar no país. “São aglomerados de mais de 2 milhões de habitantes que sequer têm uma estação de monitoramento automática. Acima de 1 milhão de habitantes, também fazem parte dessa lista as regiões metropolitanas de Belém, Natal, Maceió, Florianópolis, João Pessoa, Teresina e Aracaju”, diz.

A defasagem faz com que o Brasil esteja distante do básico, que seria ter monitoramento suficiente para elaborar índice nacional confiável e saber se a política pública está sendo eficiente para melhorar a qualidade do ar no país. “Com essa rede devidamente montada, poderíamos criar um dashboard que resumisse a qualidade do ar nos Estados e nas principais aglomerações urbanas que cobriria a maior parte da população”, diz Tsai.

O especialista do Iema destaca que essas novas estações são fundamentais para a formulação de uma política pública séria e ressalta que o investimento é baixo para o orçamento público brasileiro. O instituto calcula que o valor necessário é entre R$ 16 milhões e R$ 49 milhões. “É chocantemente baixo se comparado a outros investimentos públicos no Brasil. Os montantes anuais gastos na área da saúde justamente devido a problemas respiratórios estão na casa do bilhão. Investir na gestão da qualidade do ar gerará economia ao evitar esses problemas”, afirma.

Direito constitucional

Outra iniciativa recente é Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 7/2021, de autoria da senadora Mara Gabrilli (PSD-SP), que visa a incluir o direito à qualidade do ar entre os direitos e garantias fundamentais da Constituição Federal. Segundo o texto, que está parado na Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania do Senado, o objetivo é que todos os brasileiros tenham o direito assegurado de respirar um ar de boa qualidade tanto em ambientes externos quanto internos, como em escritórios, escolas e hospitais.

A senadora afirma que passou a olhar com mais atenção ao tema depois da pandemia de covid. “A qualidade do ar que respiramos tem impacto direto na nossa saúde e na nossa sobrevivência. Ambientes mal ventilados potencializaram a transmissão do vírus, e ficou claro que o ar poluído ao nosso redor também nos adoece de forma silenciosa, mas igualmente grave.”

Questionada pelo Valor sobre o risco de a PEC acabar se tornando mais um trecho da Constituição não cumprido na realidade, como o direito à moradia e à alimentação também supostamente garantidos, Gabrilli diz acreditar que a aprovação da proposta é uma oportunidade de transformar a forma como as autoridades e as empresas lidam com a saúde pública e a qualidade de vida. Para ela, ações realizadas em países como Japão, Alemanha e Itália são exemplos de que há soluções eficientes com bom custo-benefício.

“Inovações como as fachadas fotocatalíticas no Japão, as paredes de musgos na Alemanha ou as soluções internas promovidas pela iniciativa privada na Itália mostram que há caminhos viáveis e que podem ser adaptados à realidade brasileira. Esses exemplos reforçam a necessidade de mobilizar governos e empresas para investir em infraestrutura e tecnologia”, afirma Gabrilli.

A senadora diz que o Brasil precisa fazer a lição de casa básica no monitoramento da qualidade do ar. “A transparência no monitoramento permitirá que a sociedade acompanhe e cobre resultados. A atuação de órgãos como o Ministério Público também será fundamental para garantir que as medidas saiam do papel.”

Procurado, o Ministério da Saúde não respondeu até o fechamento desta edição. O ministério informa que desde 2001 atua em articulação com o setor ambiental para desenvolver ações de Vigilância em Saúde Ambiental e Qualidade do Ar(Vigiar).

Fonte: Globo Rural

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