Um estudo realizado com dados de 6,6 milhões de pessoas no Canadá aponta que a chance de desenvolver demência aumenta para quem mora próximo a vias movimentadas
Nos últimos anos, pesquisadores têm se dedicado a estudar a existência de uma correlação entre vias movimentadas e poluídas e perdas cognitivas. Alguns trabalhos encontraram evidências de que ela existe.
Por exemplo: em 2009, um estudo publicado na revista '
Environmental Research' mostrou que a exposição a minúsculas partículas sólidas ou líquidas presentes na poluição do ar tem correlação com a diminuição da habilidade cognitiva em mulheres idosas de 68 a 79 anos.
Em 2015, um artigo publicado na revista '
Stroke' mostrou que a exposição de longo prazo a ambientes poluídos está associada a um volume cerebral menor.
Realizada a partir de dados de 6,6 milhões de pessoas coletados entre 2001 e 2012 e publicada em janeiro de 2017 na revista 'The Lancet', a pesquisa '
Viver perto de grandes estradas e a incidência de mal de demência, mal de Parkinson e esclerose múltipla' descobriu que quanto mais perto se mora de uma via movimentada, maior o risco de desenvolver demência - nome dado a uma série de sintomas que podem ser causados por diversas doenças e incluem dificuldade de pensar, se comunicar e problemas de memória.
O estudo não encontrou a mesma ligação com mal de Parkinson e a esclerose múltipla, uma doença em que o próprio sistema imunológico ataca células do cérebro, nervos óticos e sistema nervoso central.
Os resultados devem ser encarados com cautela, e não são conclusivos sobre que fatores ligados a morar perto dessas vias podem contribuir para o desenvolvimento de demência - esses locais têm uma série de problemas como: barulho, minúsculas partículas sólidas e líquidas capazes de entrar na corrente sanguínea e agredir o corpo, metais pesados e óxidos de nitrogênio.
Mas a pesquisa levanta a hipótese de que isso ocorre devido a repetidas inflamações cerebrais relacionadas à exposição à poluição automotiva e, possivelmente, à poluição sonora, que piora a qualidade do sono dos moradores.
O trabalho pode ser encarado como mais um indício de que viver próximo a áreas movimentadas, barulhentas e poluídas faz mal não só para o pulmão e o coração, mas também para o cérebro e a mente.
Como funcionou a pesquisa
O estudo usou códigos postais relativos a 1996 para rastrear os locais de moradia entre um grupo com todos os adultos de faixas mais jovens, de 20 a 50 anos, e mais velhos, de 55 a 85 anos, vivendo na província de Ontário, no Canadá.
As informações foram cruzadas com os registros médicos dessa população, coletados entre 2001 e 2012. O objetivo foi compreender quem desenvolveu três doenças mentais comuns: mal de Parkinson e demência para o grupo mais velho ou esclerose múltipla para o grupo mais jovem.
Das 6,6 milhões de pessoas, 243 mil desenvolveram demência no período estudado; outras 31,5 mil, mal de Parkinson; e 9.250, esclerose múltipla.
Em sua análise, os cientistas isolaram fatores individuais como renda, educação, diabetes e lesões cerebrais para compreender em que nível a proximidade em relação a vias movimentadas contribui para a demência.
Eles ressalvam que não foi possível isolar todos os fatores que podem influenciar o resultado final, como medicações que os pesquisados poderiam tomar, mas concluíram que:
- Aqueles que moram a 50 metros de uma via movimentada têm risco 7% maior de desenvolver demência
- Os que moram entre 50 metros e 100 metros, de 4%
- Os que vivem a distâncias de 101 metros a 200 metros, de 2%
- Para os que moram a uma distância maior do que 200 metros não foi encontrado aumento de risco
Os pesquisadores também analisaram o grupo de pessoas que não se mudou de residência entre 1996 e 2012.
Aqueles que moram a 50 metros de uma via movimentada e não se mudaram no período tiveram o maior risco adicional de desenvolver demência, de 12%.
'As associações pareceram maiores entre residentes urbanos, especialmente aqueles que vivem próximo a grandes centros urbanos e nunca se mudaram', afirma a pesquisa.
Inflamação cerebral pode afetar cognição
O trabalho não é conclusivo sobre exatamente como a exposição à poluição do ar causada pelos automóveis afeta a saúde cerebral. Mas levanta a hipótese de que a 'inflamação sistemática causada pela poluição do ar' é provavelmente importante.
Para afirmar isso, os pesquisadores se baseiam em experimentos realizados anteriormente com animais e autópsias de seres humanos. Ambos indicam que partículas de poluição fazem com que o corpo tenha dificuldade em contrabalançar o efeito negativo causado pelos radicais livres, que danificam as células do corpo.
Partículas e gases gerados após a combustão de diesel, um combustível bastante utilizado no Canadá, também rompem a barreira entre cérebro e sangue e causam inflamações - quando substâncias químicas das células brancas de defesa do corpo são liberadas sobre o sangue ou tecidos corporais afetados como forma de proteger contra substâncias invasoras.
Além disso, estudos anteriores haviam mostrado uma associação entre demência e óxidos de nitrogênio e carbono negro, um subproduto da queima de combustíveis.
Os pesquisadores citaram pesquisas com ratos como indício de que o barulho também pode contribuir para o desenvolvimento de demência.
'Em modelos com ratos, a exposição a barulho tinha efeito direto sobre a cognição. Em adição a isso, o barulho contribui para a fragmentação do sono, que está associada à redução da cognição', afirma o trabalho.
Fonte: Nexo