Nações devem vincular as medidas de recuperação das suas economias ao Acordo de Paris sobre mudanças climáticas
– Nestes dias, de pretendido isolamento social como forma de se conter a aceleração dos índices de contaminação pelo novo coronavírus, a solidariedade empresarial vem sendo descrita como se fosse uma contrapanepidemia. Só que este coraçãozinho empresarial solidário bate diferente dos mortais comuns.
– A empresa solidária tem o seu próprio modo de operar o sentimento. Ele poderá, às vezes, se confundir com marquetingue, com sublimação de culpa, com voluntarismo, com compra de indulgência, e outras sensações que usam indumentária parecida com a da autêntica solidariedade. Será sustentado, no entanto, somente se interagir com as estratégias da corporação, devendo conter as suas próprias ótica e metodologia de planejamento.
– No recente Diálogo Climático de Petersberg (coluna Empresa-Cidadã, 6/5/2020, “E daí, Úrsula?”), a cúpula global climática de Berlim concluiu, como estratégia síntese para uma retomada no pós Covid-19, que as nações devem vincular as medidas de recuperação das suas economias ao Acordo de Paris sobre mudanças climáticas e que tais medidas, desde a etapa do planejamento, estejam empenhadas em não aumentar as emissões dos gases responsáveis pelo aquecimento global.
– Os líderes destacaram que a panepidemia da Covid-19 ilustrou como o bem-estar de um país depende do bem-estar dos demais e que, portanto, a cooperação internacional é trilha crítica na retomada.
– A anfitriã da Cúpula Global Climática, chanceler alemã Ângela Merkel, chegou a destacar o trabalho da Comissão da UE, presidida por sua ex-ministra da defesa e aliada política, Ursula von der Leyer, na edição do Acordo Verde, chamado por alguns de “New Deal Verde”, por sua importância na busca do pioneirismo do continente europeu ante a neutralidade nas emissões de gases, no período estipulado, até 2050.
– O Acordo Verde foi firmado em dezembro de 2019 e fixou metas ousadas em relação às emissões e outros quesitos, como penalização de poluidores, perda de biodiversidade, agricultura sustentável e imposição de regras ambientais. Novas possibilidades econômicas e novos empregos derivarão do emprego de novas tecnologias. A chanceler deu a entender também que os países europeus poderão ser duros no debate sobre o financiamento dos projetos da retomada da economia, mas, apesar das dificuldades presumidas, a prioridade será a atenção com o clima.
Estratégia síntese
O secretário-geral da ONU, Antonio Guterres, declarou que alguns países já encaminharam as suas NDCs (sigla em inglês de Contribuição Nacionalmente Determinada ao Acordo de Paris) e outros 114 anunciaram que o farão. Trata-se do instrumento pelo qual o país signatário fixa os seus compromissos de metas e de ações que levarão à consecução delas e as atualiza.
Guterres argumentou que, para alcançar a neutralidade do carbono até 2050, é estratégico atuar junto aos grandes emissores. Lembrou que os países que constituem o G20 representam cerca de 85% da economia global e mais de 80% das emissões. Afirmou que ainda falta a vontade política para atuar. Huang Runqiu, o ministro chinês que representou Xi Jinping, reiterou o comprometimento da China com o Acordo de Paris.
Antonio Guterres acrescentou que, no planejamento da recuperação, existe a oportunidade de se “escolher um caminho mais sustentável e inclusivo, que lida com as mudanças climáticas, protege o meio ambiente, reverte a perda de biodiversidade e garante saúde e segurança em longo prazo da humanidade.” Para chegar lá, o secretário-geral da ONU propõe seis passos para orientar a recuperação.
Os seis ‘passitos’
O primeiro é utilizar o investimento realizado pelos países em novos empregos e negócios da economia verde, acelerando a descarbonização generalizada da economia.
O segundo passo é utilizar o dinheiro dos contribuintes empregado no resgate de empresas para criar empregos verdes, crescimento sustentável e inclusivo, não para salvar indústrias ultrapassadas e poluentes.
O terceiro passo consiste na utilização dos tributos para facilitar a transição para a economia verde.
O quarto passo, ainda no âmbito da política fiscal, consiste na utilização dos subsídios nos projetos sustentáveis. Os subsídios e outros instrumentos de renúncia fiscal devem evitar o apoio a combustíveis fósseis e as emissões de carbono devem ser precificadas.
O quinto passo, o sistema financeiro deve considerar riscos e oportunidades referentes ao clima. Segundo o secretário-geral, “os investidores não podem continuar ignorando o preço que o planeta paga por um crescimento que não é sustentável”.
O sexto e último passo, diz Antonio Guterres, é que “o isolamento é uma armadilha, nenhum país pode ter sucesso sozinho.”
A presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen, em uma conferência recente, fez coro com o secretário-geral da ONU, quando, em entrevista sobre a Covid-19, afirmou que “vacinas de Covid-19 devem ser acessíveis a todos por um preço justo.” Ainda sobre a panepidemia, ela afirma que “precisamos ampliar a capacidade de adquirir, armazenar e distribuir conjuntamente na Europa artigos médicos indispensáveis, como vestes protetoras e respiradores artificiais.
Acrescenta Ursula. “Outro lado bom que vimos nas últimas semanas foi o enorme aumento da solidariedade. Temos médicos poloneses e romenos que foram para a Itália; esta partilhou os testes do vírus com outros países-membros; a França transferiu pacientes para a Alemanha e a Áustria, enviou máscaras de proteção à Espanha e Itália. Há muitos desses exemplos de solidariedade. É uma coisa boa de ver.”
Engrenando a tração nas quatro rodas do otimismo, ainda há motivos para atravessar o atoleiro.
Fonte: Monitor Mercantil
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