(*) Francisco Sérgio Turra
Ao decidir pela redução da mistura de biodiesel para 10% (B10), o Conselho Nacional de Política Energética (CNPE) adotou uma medida que marcará 2021 como o período de maior retrocesso já aplicado à Política Nacional de Biocombustíveis (RenovaBio), que estabelece a aplicação de B13 desde março deste ano. A redução penaliza um setor, gera desemprego, desinvestimento, aumenta a poluição, a inflação, prejudica a economia e contraria o RenovaBio, afastando o país dos compromissos de descarbonização, que havia assumido. Isso sem contar a insegurança jurídica que a decisão gera ao desrespeitar o que estava previsto.
Cada 1% de biodiesel que se adiciona à mistura do diesel significa milhões em investimentos e bilhões a mais para o Produto Interno Bruto (PIB) do país. Cada 1% significa empregos para milhões de brasileiros e renda para milhares de famílias. Emprego e renda que se espalham pelo interior do país, beneficiando não apenas as cidades onde as usinas estão instaladas, mas todo um conjunto de municípios ao seu redor. Significa investir nos nossos pequenos e grandes produtores agrícolas, que dispõem de mais alternativas de comercialização de sua produção agrícola, multiplicando a riqueza gerada no campo, onde ela foi produzida. Na prática, a redução da mistura impacta nesses benefícios a toda a sociedade brasileira.
Analisando objetivamente as premissas da decisão, a redução da mistura do biodiesel é ineficaz para regular o preço do diesel na bomba, pois esta diminuição é rapidamente consumida pela alta do custo petróleo e da variação cambial, principais vilões resultantes das condições macroeconômicas que impactam diretamente o custo do diesel na bomba. Somado a isso, ao reduzir a mistura sem ter os benefícios no preço ao consumidor, uma série de efeitos colaterais tem danos comprovados para uma importante cadeia que gera investimento (setor já investiu mais de R$ 9 bilhões no país), emprego (a cadeia tem mais de 1,5 milhão de trabalhadores), imposto e riqueza na indústria e no agronegócio do Brasil.
Como o país não é autossuficiente em produção de petróleo, a decisão vai exigir a importação do produto gerando emprego e divisas no exterior, bem como poluição no Brasil. Entre 2008 e 2020, o biodiesel proporcionou a redução na importação de 47 bilhões de litros de diesel fóssil, o que representa uma economia de mais de US$ 30 bilhões que deixaram de ser remetidos ao exterior.
Em 2020, foram importados 11,8 bilhões de litros de diesel A (sem mistura de biodiesel) a um custo de US$ 4 bilhões. O volume total de consumo de Diesel B (com mistura de biodiesel) atingiu 57,5 bilhões de litros, enquanto a produção de biodiesel foi de 6,4 bilhões de litros. Se não fosse o biodiesel, o país teria que importar adicionalmente esses mesmos 6,4 bilhões de litros de diesel de petróleo.
É importante salientar que o verdadeiro custo da redução do percentual de biodiesel ao diesel fóssil já está sendo percebido pelo consumidor brasileiro com a elevação nos preços das carnes, ovos e produtos lácteos em razão da redução da oferta de farelo de soja. Esse produto, fundamental para a ração animal, é resultado do esmagamento da soja em grão para a produção de óleo. Reduzir a mistura tem impacto direto no aumento da inflação. Com menos biodiesel, há menos farelo para a alimentação animal e, em consequência, elevação dos preços da criação.
Se não bastasse isso, do ponto de vista social, no ano passado, 98,4% do volume comercializado de biodiesel veio de usinas com Selo Biocombustível Social, que adquiriram da agricultura familiar quase R$ 6 bilhões em matéria-prima, um aumento de 29% frente aos números de 2019. Para atingir essa marca mais de 74 mil famílias foram contratadas, um crescimento de 25% frente a 2019. A redução desconsidera todo o ciclo desta cadeia e prejudica, também, o meio ambiente, pois o biodiesel é fundamental para uma transição energética para uma matriz mais limpa.
Ao optar em poluir mais com a redução da mistura, o país se afasta dos compromissos que recentemente anunciou para atingir metas de descarbonização previstas para o Acordo de Paris. Menos biodiesel equivale a mais poluição, mais doença, mais mortes e mais custos para os serviços de saúde.
A Associação dos Produtores de Biocombustíveis do Brasil (APROBIO) considera que somente com a manutenção dos compromissos já assumidos pelo governo é possível manter as conquistas do RenovaBio e do setor de produção do biodiesel, um verdadeiro patrimônio nacional. Este é um caminho sem volta e que precisa ser valorizado.
(*) Francisco Sérgio Turra é presidente da Associação dos Produtores de Biocombustíveis do Brasil (APROBIO).
Fonte: Acionista
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