Efeitos perversos da redução da mistura de biodiesel no diesel vão na contramão da transição para energia limpa
A decisão do Ministério de Minas e Energia (MME) de reduzir a mistura do biodiesel no diesel comercial de 13% para 10% é um grande equívoco. Gera efeitos nefastos sobre meio ambiente, saúde, segurança energética e no conjunto da economia.
O pretexto oficial foi o preço do biodiesel estar acima do diesel mineral, embora ambos estejam alinhados aos valores internacionais das matérias-primas.
A redução do percentual mínimo obrigatório do biodiesel rompe o cronograma estabelecido pelo Conselho Nacional de Política Energética que autoriza a Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP) a atingir a mistura de 15% (B15) em 2023.
Sob pretexto de compensar o aumento de preço dos combustíveis no curto prazo, a medida vai na contramão da transição para energia limpa e quebra uma regra importante para o desenvolvimento sustentável do país.
Há cinco efeitos perversos.
Primeiro, o biodiesel contribui na redução do efeito estufa, fundamental para o meio ambiente no combate ao aquecimento global, objeto da Cúpula do Clima liderada neste momento pelo governo Biden. As emissões de dióxido de carbono do biocombustível podem chegar a uma redução superior a 80% comparativamente às do diesel de petróleo.
Segundo, a diminuição na participação do biodiesel tem impacto negativo sobre a saúde pública. Estima-se que a utilização de combustível fóssil em vez de biodiesel (B10) causaria aumento médio de 244 óbitos anuais associados a doenças respiratórias.
Terceiro, o desrespeito ao cronograma do biocombustível gera fortes impactos negativos na economia. Exercício baseado no Modelo de Insumo-Produto indica que uma redução de um ponto percentual na mistura de biodiesel elimina cerca de 34 mil postos de trabalho, reduz a massa salarial em R$ 552 milhões, encolhe a arrecadação de tributos em cerca de R$ 107 milhões e diminui o PIB em aproximadamente R$ 4,7 bilhões.
Os efeitos negativos continuam valendo mesmo quando se considera não só o choque negativo na demanda por biodiesel, como um possível aumento na demanda por diesel comercial em virtude de uma suposta redução no seu preço. A mudança de B13 para B10, neste novo cenário, reduz mais de 80 mil empregos, retrai a massa salarial em cerca de R$ 1,6 bilhão e encolhe a arrecadação de impostos em quase R$ 30 milhões. O efeito negativo sobre o PIB seria da ordem de R$ 8 bilhões.
Quarto, a medida desestrutura a cadeia produtiva do biocombustível e do complexo soja. Estima-se que dos 9,6 milhões de toneladas de óleo de soja produzidos no Brasil em 2020, 3,7 milhões (39%) foram destinados ao biodiesel. A queda na produção do biocombustível diminuirá a oferta de farelo de soja no mercado interno, uma vez que se trata de co-produto do esmagamento da soja, sendo utilizado principalmente para o consumo animal. Tal fato aumentará os preços finais da proteína de soja e das rações, encarecendo os alimentos. Além disso, a elevação do preço em toda a indústria da soja comprometerá a competitividade das exportações de derivados da soja e da proteína animal.
Por fim, a medida quebra uma regra, comprometendo a segurança jurídica. Isso inibe o investimento não apenas nesta indústria, mas em toda a economia. Afinal, se é tão fácil quebrar regras, por que alguém faria investimentos baseado em uma política tão errática?
Urge, portanto, refletir sobre os impactos negativos da medida e resgatar a confiança dos empresários na construção de um ciclo virtuoso de crescimento.
*Gesner Oliveira é sócio da GO Associados, ex-presidente do Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade) e ex-presidente da Sabesp.
Fonte: Exame
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