Com expectativa de que em 30 anos o hidrogênio verde (H2V) possa representar até 20% da matriz energética global, multinacionais de diferentes ramos estão tentando viabilizar a instalação de unidades de produção do combustível zero carbono no Brasil. De fevereiro para cá, seis memorandos de entendimento foram assinados com os Estados do Ceará, Pernambuco e Rio. Os investimentos em estudo somam pelo menos US$ 22,2 bilhões, ou cerca de R$ 116 bilhões.
A australiana Fortescue, uma das cinco maiores produtoras de minério de ferro do mundo, anunciou ontem que está avaliando a construção de uma usina de H2V orçada, a priori, em US$ 6 bilhões, no Porto do Pecém (CE). A empresa também estuda a instalação de uma unidade no Porto do Açu, no Rio, com capacidade de 300 megawatts.
O presidente do Porto do Açu, José Firmo, disse ao Valor que, além da parceria com a Fortescue, o porto já assinou mais três acordos sigilosos (NDAs) com outras empresas que querem produzir H2V. Sem citar nomes, Firmo disse que companhias dos ramos químico e siderúrgico têm grande interesse na área, pela necessidade de reduzir os elevados patamares de emissão de carbono em suas cadeias.
A australiana Enegix Energy, de energia renovável, também está em fase de estudos para levantar uma unidade de US$ 5,4 bilhões no Porto do Pecém. A empresa, que está se estruturando para participar dos leilões de H2V na Europa, ainda está captando recursos para viabilizar a obra.
A francesa Qair, do ramo de energia, estuda dois projetos semelhantes no Nordeste, onde os portos estão mais próximos dos Estados Unidos e da Europa. Em abril, a multinacional assinou memorando de entendimentos para instalação de uma unidade de H2V com investimento próprio de US$ 3,8 bilhões no Porto de Suape, em Pernambuco. Na terça-feira, a empresa confirmou o início dos estudos para uma outra usina, de US$ 7 bilhões, no Porto do Pecém. Os projetos não são excludentes.
A produtora de gases industriais White Martins, do grupo alemão Linde, também está se movimentando. A empresa avalia uma unidade de hidrogênio verde no Ceará. Sem detalhar valores nem a capacidade do empreendimento, Guilherme Ricci, diretor de hidrogênio verde e gás natural da empresa, afirma que o fato da White Martins já ter uma fábrica de gases no Porto do Pecém poderá facilitar o investimento na usina de H2V.
Em todos os projetos, a oferta de energia renovável é um fator crítico na equação. No momento, o H2V ainda tem custo de produção bastante superior ao chamado hidrogênio cinza, que se utiliza das fontes de carbono na cadeia. Para ser competitivo em relação aos combustíveis fósseis, o H2V precisa de um aperfeiçoamento da tecnologia de produção - baseada na eletrólise da água - com redução do consumo de energia. Além disso, o combustível precisa de escala para ser economicamente viável.
Em relatório recente, a consultoria Wood Mackenzie afirmou que os custos de produção do H2V estão “caindo rapidamente” e o combustível deve alcançar paridade com o hidrogênio cinza até 2030 em alguns países e, em 2040, em grandes mercados como os Estados Unidos, União Europeia e Austrália.
No Brasil, os possíveis investimentos anunciados até agora são de empresas dos setores de energia renovável, gases industriais e minério de ferro, mas as petroleiras também estão debruçadas sobre o assunto, sob pena de ficar de fora da transição energética. A britânica BP, por exemplo, já anunciou projetos de hidrogênio verde na Alemanha e Austrália e vê o Brasil como um país com alto potencial para produção de energias renováveis, dentro do portfólio da empresa. A multinacional, por meio da joint venture Lightsource bp, já anunciou projetos de geração solar fotovoltáica no Ceará.
Embora ainda não tenha projetos de H2V em andamento no Brasil, a BP disse ao Valor que o país terá “um papel relevante” para o cumprimento das metas do acordo de Paris e que a “versatilidade do hidrogênio pode melhorar a resiliência e flexibilidade de todo sistema energético”.
Presidente da Thyssenkrupp na América do Sul, Paulo Alvarenga diz que a necessidade dos países atingirem a neutralidade de carbono em 2050 redefine o mercado. “Quando se considera a taxação, o que não era competitivo passa a ser a nova realidade”, diz. A empresa, que tem uma pequena usina de H2V funcionando no Peru desde os anos 60, poderá fornecer a tecnologia de eletrólise da água para as unidades do combustível. Como tem um transporte complexo, o H2V poderá ter que ser transformado em amônia verde, insumo utilizado pela indústria de fertilizantes, para ser levado de um país para o outro.
Embora as usinas de H2V estejam mais amadurecidas em países como Canadá, Alvarenga está convencido de que o Brasil está entre os países mais competitivos para a produção do combustível. “A nossa economia é muito baseada no petróleo, mas não significa que o H2V é mais caro e pronto. Com a introdução em escala, o preço cairá”, diz.
Alessandro Gardemann, presidente da Geo Energética, de biogás, diz que a produção do H2V pode ser mais um destino para o biogás gerado na indústria sucroalcooleira do Brasil a partir de investimentos marginais em usinas de açúcar e etanol já existentes. “Vejo um potencial enorme de exportação do hidrogênio brasileiro. O mercado global vai pagar um prêmio pelo hidrogênio verde”, afirmou.
Desde novembro, a Siemens, juntamente com a Eletrobras e o CEPEL, realiza pesquisas com objetivo de dominar do ciclo tecnológico completo do H2V no Brasil, em uma unidade de produção piloto escalável, que permitirá expansões futuras e atividades complementares.
Dependendo dos resultados desse estudo, a Siemens e a Eletrobras poderão avançar para a implantação de uma usina de produção comercial. Em paralelo, a Siemens, em parceria com a Porsche, está tentando desenvolver um novo combustível baseado no hidrogênio verde.
Fonte: Valor Econômico
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