O relator do projeto de lei do combustível do futuro no Senado, Veneziano Vital do Rêgo (MDB-PB), afirmou em entrevista ao Broadcast Político/Coluna do Estadão que, para incluir na proposta o diesel coprocessado da Petrobras, será preciso comprovação de que o produto tem conteúdo renovável e não tirará espaço do diesel verde.
Como revelou a Coluna do Estadão, a Petrobras perdeu força no duelo com o agronegócio em torno do combustível do futuro. O revés veio em uma resolução da Agência Nacional do Petróleo (ANP) que impõe ao coprocessado o mesmo tratamento oferecido ao diesel A, poluente e de origem fóssil. Na prática, a ANP atrapalhou os planos da estatal de inserir no texto do Senado um estímulo ao diesel coprocessado, sob o argumento de que o produto seria um combustível limpo.
Primeiro-vice-presidente do Senado, Veneziano garantiu que ouvirá todos os lados e ainda não tomou uma decisão sobre esse ponto, que é um dos mais polêmicos porque opõe a petroleira ao setor do biodiesel e ao agronegócio.
O senador é presidente da Frente Parlamentar de Energia, criada pelo agora presidente da Petrobras, o ex-senador Jean Paul Prates. Os dois são amigos pessoais, mas o relator nega que sua relação com o chefe da estatal influenciará em sua atuação. “Quem diz isso não me conhece. A análise vai ser técnica”, comenta.
O projeto, já aprovado na Câmara, está na Comissão de Infraestrutura do Senado, em fase de audiência públicas. Veneziano, que também é vice-presidente da Casa, prevê que a conclusão do relatório e a votação no plenário devem ocorrer em maio.
Veja os principais trechos da entrevista:
É possível votar o projeto em maio, depois das audiências públicas?
Eu acredito que sim. O governo federal, Congresso, entidades, mesmo aquelas que têm alguns pontos de divergência, todos são uníssonos em torno do projeto, para colaborar de forma efetiva, participativa, eficiente e inequívoca com a descarbonização. Você vai dar ao agro a oportunidade ainda mais de se robustecer, e isso, para a economia, é importante. Paralelamente a isso, com a mesma importância, a utilização de outros biocombustíveis. A gente vai avançar no diesel verde, no Combustível Sustentável de Aviação (SAF), que tem um anúncio explícito do setor concordando com o projeto.
O sr. está disposto a atender a Petrobras e incluir o diesel coprocessado no projeto?
Eu não posso dizer agora, seria leviano de minha parte. Eu me reuni com alguns do setor. Eles defendem que, se estamos tratando de um projeto que visa descarbonizar e se o coprocessado, na óptica deles, tem um porcentual, mesmo que modesto, de utilização de bio, não deixa de ter um apelo pela descarbonização. Por outro lado, existem visões que divergem do que é apresentado pela Petrobras. É preciso que a gente possa, de forma comprovada, saber dos fundamentos de um lado e de outro, para que a gente, convencido, possa trazer o relatório
A inclusão do diesel coprocessado não tiraria o caráter “verde” do PL?
Não estou dizendo que estou concordando. Estou expondo o que um lado defende e o que o outro lado resiste a compreender. Não estou dizendo que já me convenci, que os argumentos que a Petrobras trouxe são suficientes. Os fundamentos que são trazidos pelos produtores de biocombustíveis são de que não enxergam no coprocessado a mesma consistência ou as mesmas propriedades que os biocombustíveis têm. Por outro lado, eles (a Petrobras) desdizem isso.
E como o sr. vai tomar a decisão?
Cabe a quem está defendendo comprovar. Cabe, por exemplo, à Petrobras dizer “aqui tem, sim, biocombustíveis, temos como comprovar com balanço de massas, com processos tecnológicos com uso do carbono 14, que é um dos processos”.
Essa disputa entre Petrobras e setor de biocombustíveis sobre o coprocessado pode travar o projeto?
Não. Esse projeto tem um apelo tão grande... Ele é tão importante e somos tão cientes da sua importância, que ele não vai ser travado. Nós queremos melhorá-lo para poder dirimir algumas dúvidas, colocar algumas questões que não houve tempo suficiente na Câmara para fazer.
O MME está apoiando a versão do projeto que saiu da Câmara. Por outro lado, a Petrobras quer incluir o coprocessado. A gente sabe que há um atrito interno no governo entre Alexandre Silveira e Jean Paul Prates. Isso interfere no projeto?
Não, isso não vai ser importante para a elaboração do relatório. Não vou deixar de atender a Petrobras para atender o ministério. A análise vai ser técnica.
Tem uma avaliação no setor de biocombustíveis de que a Petrobras pode ter suas demandas atendidas no Senado justamente porque a relatoria ficou com o sr., que é presidente da Frente Parlamentar de Energia.
Quem diz isso não me conhece. Não espere que eu negue minha ótima relação com Jean Paul Prates, meu amigo pessoal, e a minha presença na Frente Parlamentar, que é uma frente que defende recursos naturais. Eu estou apenas tratando o tema como alguém que sabe que não pode instruí-lo parcialmente.
A questão para incluir o coprocessado é essa, de comprovação, balanço de massa, então?
Não é só essa. É preciso que nós levemos em conta que há uma responsabilidade nossa de preservar a futura atividade de produção de diesel verde e de SAF. Não podemos abrir mão disso. Se ficar comprovado que o coprocessado ajuda na descarbonização, mas tira mercado do diesel verde, não (vamos permitir). Porque está tirando, inclusive, a possibilidade de investimento na SAF. A planta de produção de refinaria do diesel verde é a mesma que se utilizará para SAF. Se você desestimula o diesel verde, por consequência você trará prejuízo também para a produção de SAF. Com isso não concordamos.
Então, se eles conseguirem comprovar…
Vamos ver, vamos ouvir na semana que vem, porque eu entendo a importância de você estimular o diesel verde. Se é para trocar o coprocessado pelo diesel, aí não [vamos por no relatório].
Quais outros pontos do projeto estão em discussão?
Quando se fala sobre o biometano, existem pontos como possíveis custos, aumentos para alguns setores da indústria e que possam acometer algumas cadeias de produção industrial. Há aqueles que defendem que o HVO, o diesel verde, possa ter a sua inclusão, o processo de mistura, o mandato, feito não pelas distribuidoras, mas sim pelos produtores, importadores.
O que mais?
Existe uma preocupação por parte daqueles que cumprem rigorosamente com esses porcentuais (de misturas de combustíveis) de uma presença consideravelmente grande de alguns que burlam, fraudam. De 142 distribuidoras, pelo menos 55, na identificação pela ANP (Agência Nacional de Petróleo e Gás) (não cumprem). A gente tem que trazer no projeto previsões de um acompanhamento.
A CNT afirma que o aumento das misturas pode prejudicar os veículos.
A CNT tem um ponto que é o de questionar o porcentual, até mesmo o atual de 14%, porque na óptica deles teria uma prejudicialidade ao motor, o que leva a custos maiores, mudanças de bomba injetora, de mudança de filtro. A rastreabilidade é fundamental, como também é fundamental e é ponto pacífico que o relatório terá o acompanhamento por autoridades já identificadas, o CNPE (Conselho Nacional de Política Energética), para o processo de progressão da mistura, que só se dará com base científica, com comprovação efetiva.
O sr. vai mudar a redação do texto na parte que fala em viabilidade técnica para o aumento da mistura? Há quem reclame que a Câmara não deixou claro que é preciso fazer testes.
Eu ainda não me detive à integralidade do texto nesse ponto. Se essa lacuna ocorrer, a meu ver, é necessário que nós, taxativamente, tratemos dessa matéria, de forma imperativa. Deixar claríssimo que tem que haver, para toda e qualquer progressão (de misturas), a análise prévia técnica, científica. Tem que ser taxativo, não há como deixar brechas e mínimas condições de dúvida.
Pode haver mudança no piso de 13% da mistura de biodiesel no diesel?
Não houve identificação da nossa parte para que haja diminuição desse valor mínimo. Não esteve em nenhum momento em debate.
Fonte: Estadão
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