Desde junho de 2020, os créditos de descarbonização (CBios) criados pelo RenovaBio estão sendo negociados entre as usinas que geram os papéis, as distribuidoras de combustíveis fósseis – que possuem metas a cumprir – e investidores externos ao programa. De lá para cá, diversos ajustes foram feitos, incluindo até mesmo mudanças nos objetivos por conta da pandemia de covid-19 e seus impactos no mercado de combustíveis.
Ainda assim, o mercado continua a surpreender. Em 2022, em meio a uma alta no preço dos combustíveis, os CBios atingiram valores recordes e novos modelos de comercialização passaram a ser considerados.
Para falar sobre esse cenário, a superintendente comercial do Santander, Caroline Perestrelo, estará presente na Conferência NovaCana 2022, que acontece em São Paulo (SP) nos dias 19 e 20 de setembro. Ela será uma das palestrantes do painel “O valorizado mercado de CBios”, ao lado do diretor do Departamento de Biocombustíveis (MME), Fábio da Silva Vinhado; do vice-presidente da Brasilcom, Abel Leitão; e do diretor financeiro da Raízen, Guilherme de Vasconcelos Cerqueira.
A seguir, saiba mais sobre o tema que será abordado por Perestrelo. Ela conversou com o NovaCana em 14 de junho – data em que os CBios eram negociados, em média, a R$ 133,22 – na companhia do responsável pela implantação e desenvolvimento da mesa de derivativos de commodities do Santander, Boris Gancev.
Os preços dos CBios devem se manter em torno de R$ 100 por crédito? Qual é a sua perspectiva em relação a isso?
Boris Gancev: O cenário de preços segue sendo construtivo. As metas do RenovaBio são crescentes, ao menos o intervalo que já está publicado, até 2030. E o excedente de CBio está, a cada ano, ficando menor. Em 2020, nós tivemos uma produção de 18 milhões de CBios e um consumo de 14,5 milhões; então, entramos em 2021 com quase 4 milhões de CBios em estoque. E 2021 foi um ano que teve bastante CBio, bastante oferta. Entramos com 4 milhões de estoque e terminamos com 10 milhões; e o preço médio do CBio estava em R$ 40,63 na média ponderada, com base nos dados publicados pela B3. Já em 2022, a meta é maior e a sobra de CBio está bem mais apertada. Por isso, a gente começa a ver algumas distribuidoras preocupadas com 2023. A nossa projeção – é claro que isso depende se a safra vai ser mais açucareira ou mais alcooleira – é que a gente termine esse ano com 2 milhões de CBios de sobra. É um estoque apertado e é isso que tem justificado o aumento de preços. E a situação para 2023 é mais apertada ainda, já que a meta deve ser maior.
Caroline Perestrelo: Nos perguntam muito sobre o nível da próxima escalada porque há essa diferença no preço médio de 2021 versus o de 2022. Mas acho que, com esses fundamentos, o atual patamar dos CBios é saudável. Não faz sentido a gente chamar o preço real, atual, de patamar elevado.
Qual é o impacto aproximado, em reais por litro, do preço dos CBios nos combustíveis?
Gancev: Em 2021, considerando a média de preço de R$ 40,63 e multiplicando pela meta, dá uma receita total de, aproximadamente, R$ 1 bilhão. Ou seja, as distribuidoras tiveram que desembolsar R$ 1 bilhão para comprar os CBios e cumprir suas metas. Se pegar todo esse valor e repassar por litro, olhando os volumes negociados, vemos que dá quase um centavo. Então, em 2021, o impacto do RenovaBio no preço médio dos combustíveis fósseis seria abaixo de um centavo por litro. Esse ano, se tivermos uma média de preço de CBio de R$ 110 a R$ 120, o impacto na bomba vai estar na casa de três a quatro centavos. E isso se todo o volume fosse repassado para o consumidor final, o que sabemos que algumas distribuidoras não estão fazendo.
Por que há empresas que não fazem essa transferência do preço do CBio para os combustíveis?
Gancev: As distribuidoras ainda precisam criar a prática de repassar o custo do CBio. Hoje, sentimos que isso às vezes não está acontecendo por uma questão de gestão e controle interno do distribuidor. Ele liga aqui e compra a meta do ano inteiro em um dia, tem aquele gasto concentrado, e acaba não repassando isso nos preços médios de combustível mês a mês. Então, temos conversado com as distribuidoras, incentivado para que elas sempre tenham a prática de repassar os custos. Ela não deve ser a parte penalizada, pois é uma repassadora de preços.
Você mencionou a receita total de R$ 1 bilhão, mas ingressar no RenovaBio também implica em muitos gastos, incluindo a certificação, os impostos e os gastos para emissão. Ainda assim, é uma boa estratégia para as usinas? Os CBios são considerados lucrativos?
Gancev: Vamos pensar em uma usina pequena, que gere 30 mil CBios por ano. Se ela vender os CBios a R$ 100, vai ter uns R$ 300 mil de receita bruta. Tirando o imposto de renda de 15% e o custo de certificação, que vai estar entre R$ 50 mil e R$ 100 mil, ainda assim faz todo o sentido entrar no programa. É muito difícil uma usina ter mais gastos do que receitas. O CBio precisa ir para R$ 5 para isso acontecer e eu não vejo esse cenário.
Perestrelo: O custo inicial da usina é todo o processo de certificação; esse é também o principal custo. Se a gente analisar 2022, com a meta de 36,7 milhões de CBios e um preço médio de R$ 100, já estamos falando de R$ 3,6 bilhões de receita. Esse é o resultado que tem gerado para as usinas como um todo. É lucrativo, entre custo de certificação e valor de comercialização? Para mim, sem dúvida nenhuma. E eu acho que tem um ponto intrínseco. No momento em que você entra na certificação do RenovaBio, você tem uma chancela junto à ANP e a outros órgãos que analisam sustentabilidade; isso abre portas.
Vocês já estabeleceram que os CBios são lucrativos e que a oferta estará apertada a partir do próximo ano. Seguindo a lógica do programa, as usinas deveriam aplicar esses recursos para aumentar a produção de biocombustível e gerar mais créditos, correto?
Gancev: O objetivo do programa é, obviamente, fomentar a produção de biocombustíveis. Para que ele seja um elemento que tenha magnitude mínima na composição de preços e na lógica da decisão de investimento, a ordem de grandeza de negociação do CBio precisa ser bem maior do que o valor atual. Quando você pensa que um CBio é gerado hoje, em média, com 850 litros de etanol hidratado, ele representa 3% da receita desse produto. É como se a usina estivesse recebendo, em média, 3% a mais pela venda do etanol ao comercializar CBio. Ainda é um valor pequeno para fazer uma usina decidir montar uma nova planta, investir em um projeto novo. Então, eu acho que a gente tem espaço para o CBio subir mais.
Quais são as suas perspectivas sobre o que deve mudar no mercado de CBios com a entrada em vigor dos contratos a termo, que estão em processo de regulamentação pelo Ministério de Minas e Energia (MME)?
Gancev: A comercialização futura de CBios foi um pleito iniciado pelo Santander. A gente entende que é importante dar aos participantes dessas cadeias de valor uma visão sobre a expectativa de oferta e demanda do CBio em uma data futura. Quando falamos em comercialização futura, queremos mostrar para o mercado a curva futura de preços de CBio, refletindo a expectativa de oferta e demanda. Como o cenário é mais apertado, o CBio para 2023 deveria estar sendo negociado mais caro do que o CBio para 2022, que é esse de agora, à vista, que estamos negociando e que pode ser aposentado até o final desse ano. E o CBio para 2024 deveria estar sendo negociado mais caro que o de 2023. Então, se uma usina negociar, hoje, esse CBio, começamos a antecipar esses cenários de escassez para o mercado e isso evita que cheguemos em 2023 ou 2024 sem CBio. Você já começa a traçar e a precificar esse cenário. Assim, dá tempo para a produção responder a esse sinal de preços. Isso é o que estamos tentando atingir com o nosso pleito de viabilização da comercialização futura: mostrar para o mercado os sinais de preço para as safras futuras, para que a produção tenha tempo de resposta.
Atualmente, o RenovaBio funciona de uma maneira fechada, sem integração com o mercado internacional de carbono. Uma integração seria possível ou desejável? O que isso representaria para o programa?
Gancev: No primeiro trimestre do ano passado, a ANP regulamentou um mecanismo de participação das partes não obrigadas no programa. Se uma parte não obrigada adquirir e aposentar CBios, esse volume é deduzido da meta das partes obrigadas. Digo isso porque, antes da gente falar da fungibilidade com outros mercados regulados, precisamos lembrar que o RenovaBio já possui um vínculo com o mercado voluntário. Também estamos começando a desenhar um sistema brasileiro de comércio de emissões. Então, antes da gente pensar em fungibilidade com os mercados internacionais, o que envolve um nível de alinhamento político e técnico mais complexo, eu me preocuparia com o CBio sendo um crédito de carbono que poderia ser relacionado a esse decreto que saiu recentemente sobre a formação de um mercado de carbono local. Ou seja, o mercado voluntário já existe e eu acho que, para o regulado nacional, há muita vontade política.
Mas a fungibilidade com mercados internacionais é possível?
Gancev: Ter uma fungibilidade com mercados de fora é realmente um passo mais complexo porque eles têm mecanismos diferentes, têm formatos diferentes. Eu não vejo, por exemplo, o CBio se integrando com o ETS [Emissions Trading System] europeu. O mais similar ao RenovaBio é o Low Carbon Fuel Standard (LCFS), da Califórnia. Ele também é um programa que tem por objetivo reduzir a intensidade de carbono da matriz de combustíveis. Há algumas diferenças para o RenovaBio, mas ele é um crédito de performance, de melhoria de eficiência. É diferente do programa da Europa, que é um modelo open trade. Todos são parametrizados para 1 tonelada de carbono evitada ou sequestrada. Nesse sentido, deveria ter um vínculo entre eles, mas são formatos diferentes e é difícil você mudar as regras do jogo de um mercado que já está rodando.
Você mencionou a questão da regulamentação dos créditos aposentados por investidores externos, que agora são descontados das metas das distribuidoras. Porém, há a interpretação de que, se o investidor externo aposenta um CBio e isso é, posteriormente, descontado das metas, os créditos poderiam ser contados “em dobro”, para o objetivo da empresa que aposentou e para o RenovaBio. Então, como isso ajuda o programa?
Gancev: Eu acho esse mecanismo muito positivo. O objetivo do programa é aumentar a participação do biocombustível na nossa matriz energética, independente de quem for arcar com o custo disso, seja o consumidor final ou uma empresa voluntária. Se a gente tiver um cenário onde uma grande empresa adquire CBios visando compensar suas emissões de forma voluntária e aposentar esses CBios, o objetivo do programa foi atingindo. O CBio está atrelado à comercialização do etanol; você não tem CBio se não tiver comercialização de etanol.
Fonte: Nova Cana
RenovaBio e reformulação do Selo Biocombustível Social reforçam compromisso do MME com descarbonização e agricultura familiar
Ministro propõe parceria com Galp para impulsionar biocombustíveis brasileiros em Portugal
Workshop do MME discute metas para novos combustíveis sustentáveis no Brasil