Sob a influência dos impactos causados pela pandemia do novo coronavírus, o processo de descarbonização das economias ao redor do planeta ganhou maior velocidade. Em um grupo cada vez maior de países, consolida-se a visão de que será verde a retomada das economias no pós-pandemia, privilegiando-se iniciativas que gerem empregos e se adequem a metas de redução de emissões. Há, nesse movimento, não somente a preocupação com o meio ambiente. De igual importância é a percepção de que o processo poderá influir para a obtenção de resultados econômicos e sociais bastante positivos.
Não há mais dúvida em relação à necessidade de se realizar uma transição energética global, com a substituição de fontes de energia poluentes por alternativas limpas e renováveis. Cabe nos perguntarmos "quando" e "onde". A premência da adoção de medidas contra o aquecimento global torna fácil a resposta ao primeiro questionamento: o momento é agora.
As cidades têm hoje uma oportunidade de assumir o protagonismo ao racionalizar o consumo e buscando alternativas energéticas que promovam qualidade de vida para seus cidadãos e contribuam para avanços ambientais que ultrapassem suas próprias fronteiras
Ao segundo ponto, a resposta óbvia - em todo o mundo - é vaga e cria um distanciamento que em nada contribui para a tomada de ações efetivas. É por isso que devemos colocar o foco no lado oposto: não no global, mas no local. Nas cidades, podemos começar grandes projetos de transformação.
Os mais de cinco mil municípios brasileiros constituem uma rede bastante capilarizada, capaz de propagar políticas públicas e disseminar iniciativas em áreas como conservação de energia e eficiência energética, com impactos econômicos representativos. O estudo Brazil Green Finance Programme, desenvolvido pelo Sustainable Infrastructure Investment Opportunities in Brazil, aponta que somente projetos de implantação de sistemas de iluminação pública eficientes deverão movimentar investimentos de R$ 6,7 bilhões a R$ 7,9 bilhões até 2040.
O LED vem ganhando espaços cada vez mais significativos nas ruas dos municípios brasileiros, substituindo com vantagens incontestáveis as luminárias convencionais a vapor de sódio. A nova tecnologia permite que se cumpra o principal preceito da eficiência energética: produzir mais luz com menor consumo de energia e, portanto, com menor custo para as prefeituras, que já trabalham com orçamentos limitados.
Nas contas de luz, a redução dos gastos pode chegar a 50%, mas há outros ganhos. Ao proporcionar um conforto luminotécnico maior, o LED também contribui decisivamente em outras frentes, como a da segurança pública - ruas bem-iluminadas são um desestímulo a atividades criminosas. Além disso, a qualidade melhor da iluminação proporciona um efeito estético que faz bem às cidades, valorizando praças e monumentos e promovendo a utilização do espaço público.
O avanço do LED é apenas uma amostra do potencial que os municípios ostentam para atuarem como protagonistas na transição energética rumo a economias descarbonizadas. Há, no entanto, alguns desafios que têm impedido o avanço desses projetos. A gestão pública municipal, especialmente no contexto atual, enfrenta dificuldades financeiras e conta com quadro de funcionários reduzido, às vezes pouco qualificado. O acesso a informações técnicas e a linhas de financiamento nem sempre é simples para aqueles que não são especialistas.
A questão tem atraído a atenção de concessionárias de energia, universidades e até mesmo de instituições internacionais, como o Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID), que está lançando a campanha "Enerflix: valorizar a cidade, iluminar o futuro", cujo propósito é apoiar gestores e servidores públicos nas cidades brasileiras, oferecendo, por meio da plataforma tecnológica Enerflix, cursos de formação, simuladores e uma metodologia para o desenvolvimento de projetos de eficiência energética e geração distribuída de forma gratuita.
O projeto integra uma série de ações do BID norteadas por sua Visão 2025 que, entre outras medidas, prioriza o apoio a ações de enfretamento a mudanças climáticas e ao desenvolvimento sustentável. A iniciativa faz parte também dos esforços do BID no sentido de contribuir para a transição energética na América Latina e no Caribe, atingindo-se, até 2030, uma participação de 70% das fontes renováveis na matriz elétrica dessas regiões. O Banco visa facilitar o acesso ao financiamento sustentável e apoiar o desenvolvimento de condições de mercado que assegurem investimentos sustentáveis em energia renovável.
O movimento de transição energética é uma tendência global e encontra o Brasil muito bem posicionado. O país desfruta de posição privilegiada em relação à participação de fontes renováveis em sua matriz energética. Nos últimos 20 anos, as fontes renováveis se mantiveram com participações superiores a 40%. Mundialmente, a situação é mais complicada: em 2017, as fontes renováveis tinham uma participação de 14% na matriz energética total; no bloco dos países da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), essa participação era de apenas 11%.
Nos últimos anos, o Brasil viu a capacidade de geração hidráulica, sua principal fonte de eletricidade, retrair-se devido à menor quantidade de chuvas. Mas, ao mesmo tempo, houve expansão da oferta de outras fontes renováveis, como biocombustíveis e a geração de energia eólica e solar. O Plano Decenal 2030, da Empresa de Pesquisa Energética (EPE), estima que o setor energético deverá demandar investimentos da ordem de R$ 2,7 trilhões até 2030. Trata-se de cifra equivalente a um terço do PIB brasileiro. A questão que se apresenta, diante da diversidade das riquezas energéticas do país, é a quais fontes de energia esses recursos serão destinados.
Pesa a favor das fontes renováveis a disponibilidade de recursos em território nacional, já que os índices de radiação solar e os regimes de ventos estão entre os melhores do mundo. Outro fator importante é uma tendência à expansão da geração distribuída, acompanhando a redução dos custos das tecnologias de geração solar e eólica. As cidades têm hoje uma oportunidade de assumir o protagonismo que lhes cabe, promovendo a racionalização do consumo e buscando alternativas energéticas que promovam qualidade de vida para seus cidadãos e contribuam para avanços ambientais que ultrapassem suas próprias fronteiras.
*** Arturo Alarcón e Carlos B. Echevarría são especialistas sênior da divisão de energia do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID)
Fonte: Valor Econômico
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