O primeiro-ministro da Noruega, Jonas Gahr Støre, 64, afirmou à Folha que a queda de braço entre países ricos e emergentes no tema do financiamento climático não será resolvida se os governos ficarem apontando o dedo uns para os outros.
"Você não pode fazer isso apontando o dedo. Você tem que fazer isso trabalhando juntos sobre como maximizar os resultados", disse Støre.
Líder do Partido Trabalhista norueguês, Støre esteve no Rio de Janeiro como convidado para a cúpula do G20. Na ocasião, ele anunciou um investimento adicional de US$ 60 milhões (R$ 348 milhões) no Fundo Amazônia —o país nórdico é o principal doador do mecanismo.
O financiamento da crise do clima é o tema central da COP29, cúpula da ONU que ocorre em Baku, no Azerbaijão. A conferência, que acaba neste fim de semana, precisa definir um novo valor que os países ricos devem entregar para mitigação e adaptação nos países em desenvolvimento.
A Noruega é um país da Otan (a aliança militar do Ocidente). Como vê o futuro da guerra se os EUA, sob Trump, de fato reduzirem o apoio militar à Ucrânia?
Eu não quero especular sobre isso. Com a Rússia chamando soldados da Coreia do Norte e grandes doações de armas do Irã, essa guerra virou algo que vai além da Ucrânia. Aguardamos uma nova administração americana e eu devo simplesmente exortar que líderes mundiais assumam suas responsabilidades.
É uma questão de grande importância que a Ucrânia não seja subjugada por uma Rússia invasora. Um cessar-fogo deve ser feito em termos aceitáveis para a Ucrânia, o que também exigirá a contribuição de outros países, incluindo os EUA. Acredito que os EUA verão o quanto está em jogo aqui e também agirão de forma responsável.
No passado, quando era ministro das Relações Exteriores, o sr. disse que o G20 carecia de legitimidade diante de outras instituições internacionais, como a ONU. Qual sua visão hoje sobre o bloco?
Sou um realista e vejo que as instituições existentes na arquitetura da ONU têm limitações. Vejo que o G20, que representa 80% do PIB mundial e 80% das emissões de CO?, tem um papel a desempenhar. Mas o G20 não é uma organização de tomada de decisões. É mais um fórum de discussão, de formação de decisões.
Estou muito feliz que o presidente Lula tenha convidado a Noruega para ser um país parceiro durante esta presidência. Do meu ponto de vista, devemos aproveitar todas as oportunidades na comunidade internacional para criar consenso sobre o que precisa ser feito nesta era de globalização complexa. O G20 é um desses espaços.
Qual o potencial da colaboração bilateral entre Brasil e Noruega?
Depois dos principais países europeus e dos EUA, o Brasil é um dos nossos principais parceiros comerciais. Temos mais de 240 empresas investindo de forma significativa aqui no Brasil, como a Norsk Hydro, Yara, Equinor. São investimentos em produção industrial, energia —cada vez mais em energia renovável— e uma variedade de outros setores.
E, claro, o que fizemos nos últimos 16 anos pela amazônia [a partir do Fundo Amazônia]. Nos tempos em que estamos vivendo, precisamos agir em relação às mudanças climáticas. Esta é provavelmente a medida climática mais eficaz que existe.
A Noruega gastou, ao total, mais de US$ 5 bilhões aqui no Brasil, na Indonésia e na Colômbia para apoiar esforços baseados em resultados para preservar as florestas tropicais. Com o presidente Lula de volta, alcançando resultados impressionantes na limitação do desmatamento, nós liberamos novamente recursos para o Fundo Amazônia.
No Brasil, um dos pontos mais discutidos na área ambiental atualmente é a permissão de exploração de petróleo na Foz do Amazonas. Como principal doador do fundo, o governo da Noruega considera esse tipo de política correta?
Entendo que cada país terá que tomar decisões complexas sobre segurança energética e sustentabilidade. Todos nós temos escolhas diferentes a fazer.
O que eu observo é que a Equinor está investindo na produção de petróleo no Brasil, mas também cada vez mais em energia renovável, como eólica e solar. E quando se trata do Fundo Amazônia, gostaríamos de manter o foco no que isso realmente significa, que é cuidar da amazônia, que de certa forma é o pulmão do mundo.
Como a Noruega pretende trabalhar com o Brasil na COP30?
Será uma COP sob a presidência de um país muito importante na luta contra as mudanças climáticas. Acho que existem dimensões importantes. Uma é que no próximo ano será o momento de avaliar os compromissos dos Estados assumidos sob o Acordo de Paris, com suas contribuições nacionais.
Em segundo lugar, o que vemos agora é que há uma ligação mais estreita entre clima e natureza. Toda a questão de biodiversidade, preservação e conservação da natureza se junta com a agenda climática.
O sr. fala no aumento de ambições dos países, mas os EUA devem novamente se distanciar do processo. Como os demais países podem lutar contra as mudanças climáticas sem o apoio da maior potência industrial?
Trabalhar nessas questões globais que exigem a participação de todos os Estados membros é a única maneira de fazer isso. Ainda assim, às vezes é muito frustrante porque os governos vão e vêm, mudam seu foco. É fácil se frustrar por não conseguirmos alcançar o melhor resultado de nossas ambições. Mas é aí que você tem que ser realista e pragmático.
Portanto, eu não vou especular sobre como uma possível administração Trump se posicionará. Sabemos que ele retirou os EUA do Acordo de Paris da última vez, mas não vou especular sobre isso.
O que eu vejo nos EUA é que a economia, a indústria e os negócios estão recebendo sinais do mercado. Há mais investimentos em energia renovável no Texas do que na Califórnia. Acho que os negócios dos EUA vão ver que esse é o caminho a seguir.
No próximo ano, estou pronto para ser um parceiro muito próximo dos EUA e e do Brasil. Também precisamos envolver o Sul Global de uma nova maneira. Os países do Golfo estão surgindo como países ricos e os convidamos a contribuir também na transição, porque o mundo hoje é muito diferente do Rio de há 30 anos [quando ocorreu a conferência Rio-92].
Países emergentes, entre eles o Brasil, rejeitam assumir obrigações de contribuir com recursos para financiar a adaptação e mitigação das mudanças climáticas. Novamente, essa discussão ocorre sob a expectativa de um corte de recursos dos EUA. Como convencer os emergentes que devem pagar mais?
Você não pode fazer isso apontando o dedo. Você tem que fazer isso trabalhando juntos sobre como maximizar os resultados. Se todos nos entricheirarmos nas nossas posições anteriores sobre como as coisas eram nos anos 90, quando dividimos o mundo entre países desenvolvidos e em desenvolvimento... Muita coisa mudou nesses 30 anos.
Ao avançarmos, estamos olhando para quais são as oportunidades de investimento, não é apenas uma questão de colocar dinheiro em um fundo. Trata-se de criar o ambiente certo para pesquisa, investimento e novas fontes de energia.
Por exemplo, a Noruega tem sido um player de destaque no desenvolvimento da tecnologia de captura e armazenamento de carbono. Fora da plataforma continental norueguesa, podemos perfurar 2.000 metros abaixo da superfície e armazenar CO? –provavelmente temos capacidade de armazenamento para todo o CO? da Europa por várias décadas. Há 30 anos não sabíamos sobre isso, mas agora sabemos. É caro começar com essa tecnologia, mas investimos nela porque acreditamos que, no final, valerá a pena.
Eu quero compartilhar essa tecnologia, quero convidar o Brasil e outros a olhar para isso. É uma maneira de reduzir as emissões enquanto ainda conseguimos usar gás, por exemplo. Então, acho que devemos abordar isso da perspectiva das oportunidades mútuas, em vez de ver a participação como algum tipo de punição.
Fonte: Folha de S. Paulo
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