O mercado regulado de carbono brasileiro deve ter sob seu guarda-chuva entre 4 mil e 5 mil fontes emissoras (leia-se empresas), segundo estudos preliminares do Ministério da Fazenda com base no projeto de lei aprovado pelo Congresso.
Hoje, o mercado cobriria cerca de 15% das emissões de gases de efeito estufa do país.
“Não é pequeno para economias em desenvolvimento e está alinhado com o de países da América Latina, como Colômbia, Chile e Argentina”, diz José Pedro Bastos Neves, coordenador-geral de finanças sustentáveis do Ministério da Fazenda.
Essa fatia deve ser maior quando o sistema estiver em operação. Os dados mais recentes apontam que o desmatamento responde por quase metade do CO2 lançado pelo Brasil na atmosfera. Caso se atinja a meta de zerar a devastação em termos líquidos – com políticas de controle e a recuperação de áreas degradadas –, a participação dos grandes poluidores deve crescer percentualmente.
Existem 75 jurisdições, como União Europeia e Califórnia, que colocam um preço no carbono, segundo o Banco Mundial. Elas adotam dois tipos de esquema: de comércio de emissões (conhecido como cap and trade, que será implantado no Brasil) ou de imposto sobre o carbono emitido. Cerca de 24% das emissões globais estão sujeitas a esses mecanismos de precificação.
A implementação do mercado regulado está prevista na NDC, o plano nacional de descarbonização do Brasil, uma das obrigações do país perante o Acordo de Paris, apresentado pelo governo federal durante a COP29. Ele prevê corte de 59% a 67% nas emissões de gases de efeito estufa até 2035, na comparação com os níveis de 2005.
“Sem ter mercado local de carbono, o Brasil não consegue chegar no nosso compromisso do Acordo de Paris”, diz Maria Belen Losada, head de produtos de carbono do Itaú Unibanco. “Tem uma série de outras políticas que o governo precisa implementar, mas esta é realmente importante.”
O Executivo tinha pressa para aprovar o texto, que agora vai para sanção presidencial, diante da ambição de liderar os debates sobre mudanças climáticas. O país será o anfitrião da próxima conferência do clima da ONU, a COP30, que acontecerá no Pará em 2025. Também acabou de presidir a cúpula do G20, em que o tema foi uma das prioridades da agenda.
“É uma importante sinalização para os demais países de que o Brasil está buscando criar mais uma ferramenta para combater as mudanças climáticas por meio do estabelecimento de um mercado regulado de carbono”, afirma Antonio Augusto Reis, sócio da área de direito ambiental e mudanças climáticas do escritório Mattos Filho.
Aprovação
Após dois anos de intensa negociação e quedas de braço entre Câmara e Senado, a votação do projeto de lei que cria o Sistema Brasileiro de Comércio de Emissões de Gases de Efeito Estufa (SBCE) aconteceu em um intervalo de seis dias nas duas Casas.
“É uma regulação muito complexa e muito esperada. O texto aprovado hoje é de grande orgulho para a sociedade”, diz Cristina Reis, subsecretária de desenvolvimento econômico sustentável do Ministério da Fazenda, que trabalhou nas negociações com os parlamentares. “Não é a tábua de salvação, mas é mais um instrumento importante e estratégico para incentivar a descarbonização dos setores.”
Ela destaca que o texto aprovado reflete uma correlação de forças políticas muito diferentes: indígenas, quilombolas, extrativistas, agronegócio, indústria, desenvolvedoras de projetos de carbono, União e Estados. “Eram muitas perspectivas em jogo, conseguimos um caminho do meio”, diz Reis, que avalia o texto como “equilibrado”.
O clima foi de festa – e alívio – para quem está há quase dez anos esperando que o Brasil tenha um mercado regulado de carbono. O projeto de lei 182/2024 aprovado na Câmara nesta terça-feira (19) nasceu de um texto de 2015, bastante modificado pelo Congresso nos últimos dois anos.
O texto finalmente aprovado contém diversas provisões sobre o mercado voluntário, incluídas na Câmara. A versão que voltou ao Senado foi considerada pelo mercado um “projeto Frankenstein”.
Depois de uma difícil negociação entre as duas casas, com mudanças pontuais feitas de comum acordo, ficou acertada a aprovação do projeto.
“Não é o texto perfeito, mas é o possível. Ainda haverá ajustes, mas já é motivo para celebração e um marco na política pública climática”, afirma Munir Soares, CEO da Systemica, empresa desenvolvedora de créditos de carbono.
“No fim, se transformou em um projeto de carbono mesmo, pois trata tanto do mercado voluntário quanto regula os maiores emissores”, observa Reis, da Fazenda.
Uma das dúvidas que ficou sobre o texto é se os limites de emissão, expressos em toneladas de carbono equivalente (CO2e), se referem ao grupo econômico ou a instalações individuais (como uma fábrica, por exemplo).
Segundo José Pedro Bastos Neves, da Fazenda, isso será objeto da regulamentação da lei, mas a ideia que se trabalhou no texto no Congresso é a de grupo econômico, que engloba controle direto e indireto em empresas. Esse, porém, é o entendimento da Fazenda, outros ministérios, como o Ministério do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços (Midc), defendem a abordagem por instalações individuais, o que tenderia a reduzir o alcance do mecanismo.
Implementação e recursos
Após a lei ser sancionada pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva, começa a fase de implementação. O projeto de lei descreve as etapas e prazos para que o sistema esteja funcionando. Entre detalhamento técnico, montagem das estruturas que vão operar o SBCE e períodos de teste, a estimativa é que o mecanismo leve cinco anos para efetivamente impor limites às empresas.
“Estávamos apenas esperando a aprovação pela Câmara, mas temos todo o plano de ação desenhado e o grupo de trabalho temporário está pronto para começar a trabalhar”, diz Cristina Reis. A Fazenda preside o GT temporário com o Ministério do Meio Ambiente (MMA). O próximo passo será estabelecer o órgão gestor do SBCE.
O governo também vai aderir ao Partnership for Market Implementation (PMI), programa do do Banco Mundial que auxilia os países a projetar, testar e implementar mecanismos de preços de carbono alinhados com suas prioridades de desenvolvimento.
O texto da lei prevê como devem ser destinados os recursos obtidos com o comércio de emissões. A maior parte – no mínimo 75% do dinheiro – será destinado ao Fundo Clima, gerido pelo BNDES, para o financiamento e investimento em pesquisa científica e desenvolvimento tecnológico para a descarbonização das atividades, fontes e instalações das empresas reguladas.
“É o primeiro mecanismo de financiamento sistemático de descarbonização. A principal discussão em Baku é sobre de onde vai vir o dinheiro [para financiar a transição para uma economia de baixo carbono], e estamos desenvolvendo um sistema nacional para cobrir um gap”, diz o coordenador da Fazenda.
Segundo o Banco Mundial, os países com mercados regulados arrecadaram US$ 100 bilhões em 2023. Mais da metade dessa receita foi usada para financiar programas relacionados ao clima e à natureza. “Apesar da receita de precificação de carbono atingir recordes de alta, sua contribuição para os orçamentos nacionais dos países continua baixa”, diz relatório da organização.
“Há indústrias, como o aço, por exemplo, que precisam de subsídios para conseguir descarbonizar. E a lei prevê que parte do que for arrecadado seja reinvestido na descarbonização da indústria”, diz Belen, do Itaú.
Fonte: Capital Reset
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