O Brasil, India e Estados Unidos vão lançar formalmente uma Aliança Global para os Biocombustíveis (Global Biofuels Alliance, GBA) à margem da cúpula do G20, em setembro em Nova Deli, pavimentando o caminho para o etanol se tornar uma commodity internacional.
A expectativa é de que os presidentes Luiz Inácio Lula da Silva e Joe Biden e o primeiro-ministro Narendra Modi lancem a aliança num evento provavelmente no dia 10 de setembro, talvez com mais líderes do G20, simbolizando a importância da iniciativa para a transição energética global.
A ideia da aliança partiu da India e deveria ter sido lançada em julho num encontro de ministros de energia do G20 em Goa. Mas os indianos concluíram que o potencial da iniciativa ´era tão incrível´ que seria melhor lançá-la a nível de presidentes para dar mais peso político.
A aliança, que vai atrair mais países, busca acelerar a implantação de biocombustíveis sustentáveis em apoio à transição energética global. Isso passa pela ampliação da cooperação técnica e tecnológica para a expansão do etanol e biodiesel e ´oferecer ao mundo uma proposta concreta e imediata de descarbonização do setor de transportes´.
A iniciativa chama ainda mais atenção pela liderança vindo da India, país que perdeu uma disputa para o Brasil, Austrália e Guatemala na Organização Mundial do Comércio (OMC) por turbinar ilegalmente exportações de açúcar e causar prejuízos de centenas de milhões de dólares a produtores brasileiros e de outros países.
Durante anos o Brasil procurou convencer a India a utilizar seu excesso de açúcar para produzir etanol, em vez de jogá-lo no mercado internacional, causar distorções e derrubar os preços.
Depois de ter assinado acordos de cooperação com o Brasil no setor em 2020, o comprometimento da India com biocombustível foi aumentando gradualmente, com articulações de personagens como o então embaixador brasileiro na India e hoje secretário de Clima, Energia e Meio Ambiente do Itamaraty, André Corrêa do Lago, e o ministro indiano do petróleo e ex-embaixador em Brasília, Hardeep Singh Puri.
Os indianos tinham informações antigas, dos anos 80, sobre a tecnologia do etanol. As dúvidas foram sendo desmontadas em seminários organizados pelo governo, pela Única (União da Indústria de Cana-de-Açúcar e Bioenergia) e pela consultoria Datagro.
Mas o que realmente convenceu os indianos foi quando uma delegação oficial brasileira incluiu cinco dirigentes de multinacionais produtoras de carros no Brasil em visita a Nova Deli. Eles explicaram que a solução tecnológica que o Brasil usava era altamente competitiva e eficiente, que são os veículos flex. Um carro Toyota produzido no Brasil foi levado à capital indiana para demonstração, com participação de técnicos brasileiros. A Toyota desenvolve hoje tecnologia híbrida flex no mercado indiano. O Corolla híbrido desenhado no Brasil foi o modelo escolhido para iniciar o projeto piloto da marca.
A ideia desde o início foi de que a adoção de combustiveis de cana-de-açúcar pela India tinha várias vantagens. Uma delas é justamente que atenuaria o litígio com parceiros. Segundo, a India tem uma indústria de açúcar muito importante que envolve a vida econômica de 50 milhões de indianos. Assim, o etanol fortalece esse que é um dos setores agrícolas mais protegidos.
Além disso, o etanol ajudará na redução da brutal poluição. Grandes cidades indianas são atingidas por fortes emissões resultantes da queima de resíduos agrícolas. O etanol também diminuirá o consumo de petróleo (a India importa 80% do que consome).
Agora o governo Modi sinaliza com um programa de etanol que logo será maior que o do Brasil. Está produzindo etanol de segunda geração com resíduos de arroz e de várias outras culturas. O governo adotou mandato para a India ter até 2025 já 20% de etanol na gasolina. No Brasil, o Ministério das Minas e Energia informou em julho que atua em proposta de aumentar de 27,5% para 30% nessa mistura.
A Agência Internacional de Energia (AIE) ajudou a convencer os indianos e tornou-se uma grande aliada da Aliança Global para os Biocombustíveis. Publicou recentemente um relatório focado no Brasil, a Índia e Estados Unidos. Mostra que os três países implantaram políticas que sustentaram taxas de crescimento anual da produção de etanol acima de 20% durante pelo menos um período de cinco anos. Como resultado, os biocombustíveis forneceram 22% da energia de transporte do Brasil e 7% dos Estados Unidos em 2022. Na Índia, a participação do etanol no uso de energia em veículos a gasolina atingiu 6% em 2022, o dobro dos níveis de 2019.
No entanto, a produção global de biocombustíveis sustentáveis até 2028 está ocorrendo a menos da metade da taxa necessária para que a meta de emissões líquidas zero seja alcançada até 2050. Ou seja, essa produção precisa triplicar até 2030 para ajudar a reduzir as emissões de caminhões, aviões, navios e veículos de passageiros novos e existentes que têm poucas outras opções de mitigação.
Conforme a AIE, os biocombustíveis líquidos forneceram mais de 4% do suprimento total de energia para o transporte em 2022, mas insiste que sua implantação não está acelerando com rapidez suficiente. Além disso, mais de 80% da produção total de biocombustíveis está concentrada em quatro mercados - Estados Unidos, Brasil, Europa e Indonésia. Esses mercados respondem por apenas metade da demanda global de combustível para transporte.A previsão é que essa participação diminua para cerca de 40% até 2028.P ortanto, a expansão dos biocombustíveis sustentáveis exigirá o desenvolvimento de novos mercados e o aumento do uso nos mercados existentes.
O relatório sugere que os países podem expandir a produção e o uso de biocombustíveis sustentáveis elaborando estratégias de longo prazo, promovendo investimentos, apoiando a inovação, garantindo suprimentos acessíveis, abordando as questões de sustentabilidade e incentivando a colaboração internacional. Essas são áreas prioritárias para a GBA.
Para o Brasil, a aliança pode impulsionar seu projeto de tornar o etanol uma commodity internacional. A padronização do etanol é um passo importante para que possa ser comercializado entre países da mesma forma que ocorreu com commodities de petróleo, soja, açúcar, café.
O Brasil tem potencial para exportações, inclusive de mais valor, como no caso do etanol para aviação. Também há um mercado em expansão para biocombustíveis para navios. A própria produção de etanol de milho no Brasil é diferente daquela dos EUA, que os brasileiros criticavam muito. Segundo especialistas, o milho vem de uma terceira colheita na mesma área e emite muito menos que na produção americana.
De seu lado, o governo Biden tem programas de estímulo a mais produção de biocombustíveis.
Fonte: Valor
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