A guerra na Ucrânia, ao mesmo tempo em que evidencia a necessidade de acelerar a transição energética globalmente, confirma a condição privilegiada do Brasil em relação ao resto do mundo quando se trata da dependência de combustíveis fósseis, afirma o colaborador do Núcleo Interdisciplinar de Planejamento Energético (Nipe) da Unicamp Luís Augusto Barbosa Cortez. Essa é uma das questões abordadas pelo pesquisador no livro The Future Role of Biofuels in the Energy Transition (editora Blucher), que foi escrito com o pesquisador espanhol Frank Rosillo-Calle, da universidade britânica Imperial College London, e será lançado nesta sexta-feira (2), no Nipe.
A obra, financiada pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp), resgata e analisa a experiência brasileira com biocombustíveis para discutir os potenciais que sua expansão representa principalmente para o setor de transporte e o meio-ambiente. Destaca, ainda, o milho como matéria-prima preferencial para a produção de biocombustível no país — opção que, acreditam os autores, possibilitaria a liberação de áreas de pastagens e a diminuição da emissão de gases de efeito estufa.
O objetivo é atingir o público internacional, mostrando que as culturas brasileiras de biocombustíveis não competem por espaço com o cultivo de alimentos — uma visão, pontua Cortez, bastante comum na Europa. “Atualmente, menos de 5% da área de agricultura no Brasil é reservada à plantação de cana para biocombustível. Isso representa menos de 0,5% da área do país”, diz o professor aposentado da Faculdade de Engenharia Agrícola (Feagri) da Unicamp. Trata-se, explica, de uma área de 5 milhões de hectares, de onde sai a matéria-prima utilizada para fabricar etanol suficiente para abastecer 43% da frota brasileira de veículos leves. “Nós somos o único país do mundo onde, se o petróleo acabar hoje, amanhã os carros continuarão andando.”
Mais do que apresentar dados que corroborem a viabilidade da produção de biocombustíveis no país sem pôr em risco outros setores da agricultura, os pesquisadores argumentam que esta é a alternativa mais indicada para abastecer veículos leves no Brasil. A justificativa, escrevem, seria uma combinação entre disponibilidade de recursos naturais, conhecimento técnico e tecnológico, experiência acumulada, infraestrutura e aceitação do mercado.
Um dos autores do livro, Luís Augusto Barbosa Cortez: obra destaca o milho como matéria-prima preferencial para a produção de biocombustível no país
Cortez sabe que sua tese vai contra o movimento dos mercados automobilísticos europeu e chinês, que já elegeram o carro elétrico como substituto da versão à gasolina. Para justificá-la, lembra que, embora a situação atual do Brasil seja confortável, não há espaço para construir novas hidrelétricas — seria preciso acelerar a construção de plantas e parques eólicos e solares, enquanto fábricas de produção de biocombustíveis já em operação passam parte do ano ociosas.
O pesquisador cita, ainda, questões logísticas, financeiras e até culturais para esclarecer a preferência pelo biocombustível. “Além de mais caro, o carro elétrico precisa de muitas horas para recarregar. Hoje, em dez minutos se enche o tanque do carro no posto. É possível deixar o veículo parado e voltar a andar sem que a bateria acabe. Sem falar que os tanques oferecem uma autonomia de 400 km, 500 km, dependendo do carro.”
Para viabilizar a ampliação da produção de biocombustíveis no país, os autores se inspiram no sucesso da experiência recente dos estados do Mato Grosso, Mato Grosso do Sul e Goiás com a fabricação de bioetanol de milho. As vantagens em relação à cana são várias, afirma Cortez. “O milho pode ser cultivado em praticamente todas as regiões brasileiras, no mínimo duas vezes por ano, e em alternância com a soja e com a própria cana. Além disso, dá para estocar o grão e processar o ano inteiro. Para completar, tem proteína, sendo um alimento melhor para os animais [gado, aves, suínos]”, argumenta.
Finalmente, o livro propõe a ampliação da área atual de cultivo do milho aproveitando terras já reservadas à pecuária. Segundo o pesquisador, da área total do Brasil — 855 milhões de hectares —, atualmente 200 milhões foram transformados em pastagens. “Uma parte dessa terra tem muito pouco boi no pasto”, diz. A proposta é utilizar, em uma primeira fase, 50 milhões de hectares desses pastos para dividir entre agricultura, produção de bioetanol e reflorestamento. “A agricultura precisa crescer, e o único jeito de isso acontecer é diminuir a pastagem. O milho, além de produzir etanol, serve de alimento para o gado, liberando a terra para outras coisas”, pondera. Uma versão mais ambiciosa, também apresentada no livro, seria produzir bioetanol suficiente para substituir 10% da gasolina no mundo. “Para isso, seria preciso multiplicar por sete nossa produção atual, atingindo em torno de 200 bilhões de litros de bioetanol por ano”, calcula.
Fonte: Jornal da UNICAMP
Biocombustível de macaúba terá preço competitivo com do fóssil, diz diretor da Mubadala
Mercado de carbono é aprovado após acordos com agro, térmicas e distribuidoras
Na COP 29, Alckmin projeta Brasil como protagonista da nova economia global