O Brasil está entre os líderes globais em biocombustíveis. Em 2023, representou quase 26% da produção total, atrás apenas dos Estados Unidos, com 40%, de acordo com dados da Agência Internacional de Energia (IEA, na sigla em inglês). Essa posição tende a se fortalecer ainda mais com a Lei do Combustível do Futuro, sancionada em 8 de outubro. A nova legislação traz alterações substanciais no setor. Define que o biodiesel poderá ser acrescentado ao diesel derivado de petróleo em 1 ponto percentual de mistura a mais por ano a partir de março de 2025, até atingir 20%, em março de 2030 — hoje o índice é de 14%. No caso do etanol, a mistura na gasolina, atualmente entre 18% e 27,5%, será ampliada para 22% a 35%, representando um aumento significativo no uso desse biocombustível.
Uma das principais inovações da lei é a criação de metas para as companhias aéreas, de forma a incentivar o desenvolvimento do combustível sustentável de aviação (SAF, na sigla em inglês), atrelado a metas de descarbonização. Em 2027 e 2028, as empresas do setor deverão reduzir a emissão de gases do efeito estufa em no mínimo 1% ao ano. A partir de 2029, esse percentual aumenta 1 ponto anualmente até 2037, quando deverá atingir pelo menos 10%.
“A nova lei muda muita coisa, principalmente no sentido de dar previsibilidade. Nos últimos dois ou três anos, reclamávamos da falta de um arcabouço legal para termos clareza sobre o futuro do setor. Agora, temos essa base”, afirmou Camilo Adas, diretor de transição energética da empresa Be8 (antiga BSBios) e diretor de energia da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo, durante o painel sobre combustíveis renováveis no VEJA Fórum — Oportunidades do Brasil na Transição para a Energia Verde, promovido por VEJA e VEJA NEGÓCIOS. “O que falta agora é ação. Aprovamos a lei, mas muitas empresas ainda não tomaram medidas para se reorganizar e implementar as mudanças necessárias. Precisamos agir rapidamente, porque estamos atrasados.”
Novos investimentos
Na análise da Associação dos Produtores de Biocombustíveis do Brasil (Aprobio), a Lei do Combustível do Futuro representa o marco regulatório ideal para um movimento institucional que vai destravar investimentos e acelerar a descarbonização no país. “O texto mantém as políticas públicas vigentes dos biocombustíveis atuais e cria a oportunidade de introduzir na matriz energética nacional os novos biocombustíveis e definir o modelo de captura de carbono”, avalia a entidade, em nota.
O impacto de combustíveis menos poluentes tende a alcançar toda a cadeia produtiva, em diferentes setores. O biocombustível é utilizável em ônibus, barcos e navios, trens, máquinas e equipamentos da indústria, da mineração, de produção de eletricidade e do agronegócio. Também beneficiará os quase 2,2 milhões de caminhões que circulam em território nacional, com idade média de doze anos e dois meses, segundo o Sindicato Nacional da Indústria de Componentes para Veículos Automotores.
A tendência é que o mercado passe a contar com novas soluções e produtos inéditos que apoiem as empresas consumidoras de combustíveis nessa transição. A própria Be8, por exemplo, lançou em outubro um novo biocombustível, o BeVant, produzido a partir de óleos vegetais, incluindo óleo de cozinha usado, e se propõe a substituir 100% do consumo de diesel de origem fóssil.
No setor de gás, especialistas destacam a importância de um esforço conjunto da cadeia de valor. “O mercado vai ter de se ajustar para ganhar escala. No caso do biometano, por exemplo, já existem soluções tecnológicas que permitem alcançar um preço competitivo, especialmente para quem opera longe de gasodutos”, disse Pedro João Zahran Turqueto, vice-presidente da Copa Energia, engarrafadora e comercializadora de gás de cozinha que detém as marcas Copagaz e Liquigás.
Atualmente, o biometano — um combustível gasoso obtido pela purificação do biogás — é utilizado em uma proporção relativamente pequena em relação ao gás natural, mas a meta é que até 2030 essa mistura atinja 10%. Conforme ressaltou Turqueto, existem incentivos no país para o consumo de biometano, especialmente para empresas que exportam e precisam descarbonizar suas operações. No entanto, ainda há desafios, como a necessidade de adequar os retornos sobre os investimentos a um nível que permita a expansão desse mercado. “A boa notícia é que já temos tecnologia para fazer o biometano chegar ao consumidor final a um preço competitivo, especialmente em regiões afastadas das redes de distribuição de gás natural”, afirmou Turqueto.
Passado e futuro
Os biocombustíveis têm uma história que remonta a civilizações milenares, que já usavam óleos vegetais para acender lâmpadas. No século XIX, nos Estados Unidos e na Europa, plantas e gordura animal processadas eram utilizadas para movimentar máquinas industriais e as primeiras gerações de automóveis. No Brasil, a produção de etanol a partir da cana-de-açúcar para uso em automóveis teve início ainda em 1925, há quase 100 anos. Mas os combustíveis de origem fóssil dominaram o mercado global ao longo do século XX por sua alta eficiência, num cenário em que as emissões de gases poluentes, por mais evidentes que fossem, não pareciam representar um problema grave para a humanidade e para o planeta.
O cenário mudou drasticamente, e os biocombustíveis são parte essencial não apenas do futuro, mas já no presente. De acordo com a empresa de pesquisas Extrapolate, o mercado global de biocombustíveis, estimado em 147 bilhões de dólares em 2023, deve atingir os 235 bilhões de dólares até 2031, uma taxa de crescimento anual de 5,8%, impulsionado pela crescente necessidade de soluções energéticas sustentáveis e pela ênfase na redução das emissões de carbono.
Uma das críticas recorrentes ao setor é que o avanço dos biocombustíveis poderia prejudicar a produção de alimentos, argumento frequentemente usado pelos reguladores europeus. “A população não vai deixar de comer para que possamos produzir combustível. A capacidade de produção do Brasil é muito grande, e o agronegócio nacional utiliza tecnologias avançadas que permitem plantar cada vez mais, em menos espaço”, disse Enio Verri, diretor-geral da Itaipu Binacional.
Em busca do melhor aproveitamento de espaço, Verri citou um projeto desenvolvido pela Itaipu para instalação de uma usina solar flutuante no reservatório da usina hidrelétrica. Ainda em caráter experimental, a iniciativa busca desenvolver soluções sustentáveis na área de energia, criar novos negócios e otimizar o uso do reservatório. Outra iniciativa recente é a implantação de uma planta-piloto para a produção de petróleo sintético a partir de uma mistura de biogás e hidrogênio verde para servir de combustível sustentável para a aviação.
Agenda inadiável
Ao redor do mundo, muitas empresas traçaram como objetivo zerar suas emissões de carbono até 2040 ou 2050, mas as mudanças climáticas evidenciam a urgência de antecipar essas metas. O desafio, segundo Adas, da Be8, está no fato de que muitas organizações concentram seus esforços apenas no escopo 1 (emissões diretas) e no escopo 2 (emissões indiretas), deixando de lado o escopo 3, que abrange toda a cadeia de fornecedores. “Precisamos mudar essa mentalidade e valorizar os fornecedores comprometidos com a descarbonização. As empresas devem começar a planejar suas ações de maneira mais tática e operacional, não apenas estratégica”, afirmou.
Verri, da Itaipu, reforçou a urgência da questão. “Nos anos 1980 e 1990, discutíamos inflação e dívida externa. Agora, o tema central e inescapável é o clima”, ressaltou. “Empresas que não considerarem sua sustentabilidade no longo prazo não sobreviverão. Essa é uma questão que exige um esforço conjunto entre governo e iniciativa privada.” O futuro já chegou — resta saber se estamos realmente preparados para ele.
Fonte: Veja
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