O combustível já alimentou falsas ilusões no passado e especialistas intensificam seus esforços para explicar que papel vislumbram para ele e que setores poderia transformar
O hidrogênio tem sido anunciado como o combustível do futuro, e é saudado por empresas de petróleo e gás, além de governos, como uma solução para descarbonizar partes da economia que não são facilmente eletrificáveis.
Mas o combustível já alimentou falsas ilusões no passado. Agora, especialistas em energia que defendem o hidrogênio intensificam seus esforços para explicar que papel vislumbram para o hidrogênio, e que setores ele poderia transformar.
A Equinor, empresa norueguesa respaldada pelo governo, até 2018 conhecida pela marca Statoil, está atualmente delineando uma visão para os investidores que, segundo crê, demonstra a ampla gama de potenciais usos do combustível. Eles vão desde descarbonizar o setor siderúrgico até movimentar os navios que são a base do comércio mundial, diz o grupo.
Irene Rummelhoff, diretora de marketing, refino (também conhecido como “midstream”) e processamento, diz que o apoio da Equinor ao hidrogênio é simples lógica: diante do compromisso dos governos com metas líquidas zero para reduzir as emissões de carbono, formas limpas de hidrogênio se tornarão economicamente viáveis.
“[Essa viabilidade] se reduz a política pública e a vontade política”, disse Irene. “Prevemos assistir à largada do setor de atividade do hidrogênio e da captura e sequestro de carbono após 2030.”
O hidrogênio verde, que é feito com energia elétrica renovável, ou o hidrogênio azul, que é produzido por meio do uso do gás natural, mas com a captura e o sequestro das emissões resultantes de carbono, contribuirão para substituir o hidrogênio produzido com o uso de métodos menos verdes.
A Royal Dutch Shell, por exemplo, lançou recentemente o que está sendo anunciado como o maior eletrolisador de hidrogênio do mundo em uma de suas refinarias na Alemanha - a ser movido por parques de captação de energia eólica em alto-mar -, a fim de oferecer uma fonte mais limpa do combustível.
Mas, embora projetos desse gênero devam reduzir as emissões de carbono e testar se há boas condições de produzir hidrogênio verde em escala, alguns também estão visando usos mais amplos para o combustível, para além da indústria.
O hidrogênio já está sendo usado em transportes mais pesados, como ônibus, onde é visto como uma alternativa mais barata à energia de baterias.
“Na esfera da descarbonização do transporte, a coisa mais difícil de mudar são as pessoas”, diz Jo Bamford, presidente do conselho de administração da fabricante de ônibus Wrightbus, que está desenvolvendo ônibus de dois andares movidos a hidrogênio no Reino Unido.
Ele argumenta que um ônibus pode encher completamente seu tanque de hidrogênio líquido aproximadamente no mesmo intervalo de tempo necessário para encher completamente o tanque com diesel, enquanto ônibus a bateria exigem longo tempo de recarga - o que é um problema para garagens de ônibus onde o uso de terrenos é mais caro que o normal. O custo do hidrogênio, diz Bamford, é um entrave menor ao concorrer com combustíveis de transporte submetidos a alta carga tributária em países como o Reino Unido.
“O preço que se tem de alcançar [para o transporte] é de cerca de 6,30 libras esterlinas por quilo”, explica ele. “Na rede de gás, é mais próximo de 2 libras esterlinas por quilo, quando se está competindo com gás natural [não taxado]. Ainda não chegamos exatamente lá, mas acho que poderemos atingir isso bem rápido.”
Usar hidrogênio para substituir o gás a fim de ativar a rede continua sendo uma das grandes esperanças para os defensores do uso do hidrogênio.
A Equinor está investindo em três projetos de usina de energia no Reino Unido que utilizarão, total ou parcialmente, hidrogênio e captura e sequestro de carbono. O mais ambicioso, possivelmente, é a central elétrica de Keadby, que a empresa norueguesa desenvolve com a companhia energética britânica SSE e que pretende ser a primeira central elétrica de grande escala 100% à base de hidrogênio.
O custo do hidrogênio, por enquanto, leva a concluir que a usina de Keadby será mais acionada quando os custos da energia elétrica forem mais altos, como quando a geração solar e eólica for menor ou quando a demanda chegar ao máximo.
“A ideia é gerir isso de uma maneira flexível”, diz Irene. “É algo que fica entre uma usina elétrica de carga básica e uma [usina elétrica] ‘de pico’”, destacou.
Prevê-se que o custo do hidrogênio verde e do azul ficará mais competitivo com a alta dos preços do carbono, o que acrescentará, na prática, um desestímulo pecuniário a combustíveis mais altamente poluentes.
As produtoras também esperam que produtos de emissões mais baixas possam atrair preços mais elevados de empresas interessadas em reduzir sua pegada de carbono. A siderurgia é um dos setores - por ser altamente intensiva em consumo de energia e tradicionalmente poluente - em que o conceito de “aço limpo” produzido com hidrogênio está ganhando força junto a clientes como a montadora Volvo.
Mas uma das maiores áreas para o crescimento do hidrogênio poderá estar no mar, por meio do uso da amônia para armazenar hidrogênio e mover navios, em vez de hidrogênio líquido.
Bjarne Foldager, da Man Energy Solutions da Alemanha, diz prever que verá navios movidos a amônia dentro de três anos. “É um meio viável de armazenar, transportar e levar grandes quantidades de energia a bordo de navios”, diz Foldager. “A amônia verde é uma maneira simples de transportar hidrogênio em grandes quantidades. Não é viável fazer isso só com hidrogênio em grandes navios de transporte.”
Mais uma vez, no entanto, será necessário que as empresas adotem uma abordagem flexível. Irene diz que a Equinor está testando um de seus próprios navios com hidrogênio líquido, mas que também começa a investir na produção de amônia.
“Embarcações movidas a GLP (gás liquefeito de petróleo) poderão, no futuro, ser convertidas para serem movidas a amônia. Navios deverão ser capazes de navegar por meses sem ter de reabastecer devido à sua densidade energética”, diz ela. “Estamos tentando nos posicionar para o futuro.”
Fonte: Valor Econômico
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