O mercado de carbono ainda não é precificado da forma mais adequada, avaliou o head de Sustentabilidade da Raízen – gigante do setor sucroenergético –, André Valente, em painel no Estadão Summit Agro, realizado dia 8 de novembro, em São Paulo. E, justamente por isso, este mercado não chegou a um patamar que viabilize grandes projetos. O executivo exemplificou dizendo que o etanol, o maior programa de bioenergia do País, produz em média 80% menos emissões do que a gasolina. “Essa diferença de emissões, que já existe há anos, em grande escala, essa externalidade positiva, não é necessariamente precificada da forma como deveria ser. E isso ocorre com qualquer solução de alto nível de redução de emissões.”
EM DEBATE. Neste contexto, Valente elogiou o projeto de lei 412/2022, que cria o Sistema Brasileiro de Comércio de Emissões e regulamenta o mercado de carbono no País, ainda em discussão no Congresso Nacional. “Uma vez que a gente coloca o preço do carbono, como esse projeto de lei pretende, e que também coloca o preço das emissões dos gases do efeito estufa, resolvemos uma parte importante da questão da precificação.”
Para Valente, o que falta, de fato, é regulamentar o setor de créditos de carbono, porque “a tecnologia já está pronta”. “Temos condição, por exemplo, de produzir muito mais biocombustíveis do que produzimos hoje sem aumentar a área plantada com cana-de-açúcar, apenas investindo em inovação, como o etanol de segunda geração, produzido a partir do bagaço de cana.”
Entretanto, justamente porque a precificação do mercado de carbono ainda não está regulamentada, a companhia não coloca em pé grandes projetos de descarbonização. De todo modo, Valente ressaltou que o País precisa aumentar a oferta de biocombustíveis, e ao mesmo tempo reduzir a pegada de carbono deles.
GATILHO. Outra discussão importante sob este aspecto é o que o executivo qualifica de “jornada mundial de precificação do mercado de carbono”. “Isso é um gatilho muito forte para garantir que a gente atinja objetivos (de descarbonização) e dê essa guinada”, continuou. “O potencial está dado; temos um nível de emissões muito baixo e uma oferta muito grande de produtos economicamente viáveis, e não estou falando de um produto que precise de subsídios para parar em pé”, disse ele, referindo-se à produção de biocombustíveis.
Quanto à possibilidade de o mundo atingir as metas de descarbonização propostas no Acordo de Paris, até 2030, Valente considerou que há um “problema de inércia” na descarbonização global. “Temos um modelo econômico (à base de combustíveis fósseis) que dura 100 anos e precisamos de 6 para mudar isso”, exemplificou. Além de “políticas públicas internas, previsíveis e agressivas em bioenergia”, Valente acredita que o Artigo 6 do Acordo de Paris – que prevê cooperação internacional para auxiliar países em desenvolvimento, especialmente aqueles particularmente vulneráveis às mudanças climáticas – pode “destravar” a transição energética aqui, “sem ter de se manter o custo desta transição no Brasil, lembrando que o aquecimento global é um fenômeno internacional”.
Desta forma, ele disse que a cooperação internacional “tem de acontecer; ela vai ser a chave para destravar temas sensíveis, como ‘quem paga a conta’.”
TRAVAS. No mesmo painel, a superintendente executiva de Corporate Agro do Santander, Caroline Perestrelo, destacou a falta de investimentos no País em projetos de descarbonização, em que pese o fato de o Brasil ter tecnologia suficiente para descarbonizar. “Não temos investimentos sendo realizados hoje em etanol de cana”, exemplificou, acrescentando que os mais recentes investimentos no setor para biocombustíveis não foram significativos. Para ela, “o crescimento em etanol de cana se dará pela cana, não por expansão industrial”. A executiva disse também que há “falta de confiança” nos Créditos de Descarbonização (CBios), em virtude da ausência de previsibilidade. Ela avaliou, ainda, como uma “boa intenção” o Projeto de Lei de Combustível do Futuro, mas que não impulsionou investimento no setor. “Crédito se destrava com retorno financeiro”, justificou. Caroline, cujo banco lida com crédito para o setor agropecuário, adiantou que não há ciclo claro de investimento em biogás neste e no próximo ano.
PAPEL A CUMPRIR. O vice-presidente executivo de Sustentabilidade e Novos Negócios da FS – indústria de etanol de milho em Mato Grosso –, Daniel Lopes, disse que novos mercados, como o de SAF (combustível sustentável de aviação), e a internacionalização do etanol ajudarão o mercado de carbono a se expandir. “Mesmo sem a regulação total do CCS (captura e armazenamento de carbono), a iniciativa privada tem de fazer seu papel, empurrando a regulamentação.”
O especialista em energia Miguel Novato, da Embrapa, demonstrou pessimismo em relação à transição energética e ao mercado de bioenergia no Brasil. Segundo ele, o PL do Combustível do Futuro é “inócuo”, pois dá apenas diretrizes gerais para o mercado. “Em vez do biocombustível do futuro, o País deveria fazer um PAC da bioenergia”, afirmou. Para Novato, se o setor não tiver investimentos urgentes e mudanças regulatórias, o País corre o risco de ter de importar biocombustível. “Do jeito que está a política para bioenergia no País, nós não cumpriremos Acordo de Paris.”
Fonte: Estadão
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