Em 2020, a cifra chegou a US$ 38 tri; falta padronizar critério para avaliar a atuação das empresas
O trio de preocupações conhecido pela sigla em inglês ESG —E de meio ambiente, S de social e G de governança— é uma tendência que parece não ter volta.
Segundo a Bloomberg, o montante mundial de alguma forma ligado a ela representou US$ 38 trilhões em 2020 e deve chegar, em 2025, a US$ 53 trilhões, equivalente a um terço dos ativos de investimentos.
“Anos atrás, as pessoas ainda duvidavam de ESG. Agora é real e impacta em todo e qualquer mercado”, diz Patricia Torres, diretora global de soluções de finanças sustentáveis da Bloomberg.
É difícil mensurar o papel da Covid-19 nessa ascensão, mas há consenso de que a pandemia favoreceu o processo. Em setembro de 2020, Fiona Reynolds, a CEO da agência independente PRI, apoiada pela ONU, publicou artigo em que dizia que a crise sanitária havia alimentado as chamas do ESG de forma substancial.
Oito meses depois, ela confirma a tendência. “Nós continuamos a ver questões sociais subindo na pauta corporativa”, afirma a executiva da PRI, cuja sigla em inglês significa Princípios para Investimento Responsável.
“A pandemia forçou empregadores a repensar suas políticas em várias questões, do redesenho de locais de trabalho à maior ênfase na saúde e segurança dos funcionários e à garantia de que os empregados tenham acesso a recursos de saúde mental.”
O impacto do coronavírus é amplo e influencia –ou tem potencial de influenciar– o interesse pelo meio ambiente (E) e a governança corporativa (G). Mas, como indica Reynolds e confirma Patricia Torres, é nas preocupações com o lado social da empresa, o S, que as consequências da pandemia têm sido mais visíveis.
A Covid-19 mostrou que coisas antes consideradas impossíveis podem ser feitas, diz a executiva da Bloomberg. “Ninguém pensava que se poderia trabalhar de casa, e acho que provamos que é possível. Precisamos agora garantir a manutenção das coisas boas que vieram com a pandemia.”
Entre essas coisas boas está a maior flexibilidade, mudança particularmente benéfica para a mão de obra feminina, afirma Patricia Torres.
A pesquisa Índice de Igualdade de Gênero, da Bloomberg, mostra a flexibilidade como um dos fatores mais importantes para mulheres que trabalham em empresas.
Fiona Reynolds, da PRI, menciona o Brasil como exemplo de lugar onde tais questões ganharam atenção adicional no último ano. Levantamento recente entre signatários brasileiros da PRI mostrou que diversidade, equidade e inclusão eram as três principais questões com as quais os investidores do país queriam se envolver em 2021.
O Reino Unido, que está entre os líderes mundiais na promoção dos conceitos, criou em 1991 a UKSIF (Associação de Investimento e Finanças Sustentáveis do Reino Unido). Para seu executivo-chefe, James Alexander, o momento atual do ESG, sobretudo nos países mais desenvolvidos, representa a transformação de algo antes considerado lateral e alternativo em ideia central.
“Nas próximas décadas, a economia mudará radicalmente devido aos compromissos do governo em torno das mudanças climáticas.” Ele diz ainda que a Covid-19 lançou uma luz sobre questões sociais, o S do ESG, mas que o que continuará pesando mais é o E, o meio ambiente, devido ao potencial de destruição da crise do clima.
“Não podemos subestimar a importância não só da crise climática, mas também da crise da natureza, em termos do que comemos, de que lugares são habitáveis, que empregos podemos ter. Acho certo que isso ocupe uma prioridade bem alta na lista.”
A maioria dos investidores concorda que o futuro do planeta merece receber maior grau de atenção, segundo Fiona Reynolds. Ela diz que avanços recentes nos compromissos governamentais para atingir nível zero de emissão de carbono até 2050 têm ajudado a valorizar o tema.
Há também o aspecto da medição e avaliação do desempenho de empresas em cada área, como lembra Patricia Torres. Para que corporações sejam avaliadas e cobradas, é preciso medir o que têm realizado nas áreas ESG, e os resultados ligados ao meio ambiente tendem a ser mais fáceis de avaliar.
“O E é bastante visível. Você pode ver pegada de carbono, gerenciamento da água, quantas usinas de carvão são abertas; há muito mais dados e medidas para avaliar empresas. O S não é tão aparente.”
Apesar de crescente, a avaliação corporativa continua com desafios, para os quais dois elementos são essenciais: transparência e padronização. O primeiro decorre, em grande medida, da pressão de investidores, mas a ação do poder público também importa.
Em 2015, o Comitê de Estabilidade Financeira (FSB, na sigla em inglês), estabelecido pelo G20 e mantido pelo Banco de Compensações Internacionais, criou um órgão, o TCFD, para promover transparência e compartilhamento de informações de empresas em relação ao meio ambiente.
Desde então, governos e setor privado têm usado o trabalho do TCFD (Força-Tarefa para Divulgações Financeiras Ligadas ao Clima) para elevar a transparência corporativa nessa área. Em particular, a do Reino Unido, que pretende ser o primeiro membro do G20 a tornar o padrão TCFD obrigatório para empresas de capital aberto.
“O Reino Unido tem neste ano a presidência do G7 e a da COP26. O governo tem uma grande oportunidade de mostrar liderança global em finança sustentável”, afirma James Alexander.
Como as ações necessárias são globais, a falta de padronização continua dificultando a adoção mais eficaz dos princípios. Não há uma estrutura única que as empresas podem utilizar para divulgar dados, diz Patricia Torres, que menciona padrões como o IFRS e o GRI, além do TCFD.
“As empresas não sabem qual usar. Como não existe clareza em torno de uma estrutura única global, as coisas ficam mais complexas.” Ela acredita que haverá convergência em torno de um único padrão internacional nos próximos cinco anos.
A União Europeia decidiu avançar em sua própria padronização para temas ligados ao meio ambiente. Em julho de 2020, entrou em vigor a Taxonomia da UE, sistema de classificação que, segundo o bloco, estabelece “uma lista de atividades econômicas ambientalmente sustentáveis”, com objetivos claros.
Apesar dos diferentes padrões e de um certo grau de incerteza, a demanda por dados de ESG segue crescendo. Seis anos após sua criação, o TCFD tem mais de 2.000 apoiadores —empresas, fundos e instituições financeiras— de 78 países, o dobro de fevereiro de 2020, quando a entidade celebrou seus primeiros mil apoiadores, de 55 países.
Diante da crescente demanda por dados, a Bloomberg lançou, em agosto de 2020, seu ESG Scores, um produto que ajuda investidores a avaliar empresas, enquanto estas ganham mais uma vitrine para divulgar suas ações.
“A Covid-19 nos ajudou. Nós vimos tanta diferença no clima quando paramos de viajar, paramos de usar nossos carros, que nos tornamos muito mais conscientes sobre ESG”, diz Patricia Torres.
Alexander também afirma que a realidade hoje é outra, e o lucro de uma empresa não é mais capaz de garantir, sozinho, seu sucesso. “As pessoas estão percebendo que, se uma empresa não está prestando atenção a questões de ESG, isso as torna, inerentemente, insustentáveis. No longo prazo, não existe lucro numa empresa que não é sustentável. E é isso que os investidores estão percebendo.”
Fonte: Folha de S.Paulo
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