Ação radical teria de ser compensada por investimento imenso em energia limpa
As empresas de energia precisam parar todos os projetos novos de exploração de petróleo e gás natural a partir deste ano com o objetivo de conter o aquecimento global, afirmou a AIE (Agência Internacional de Energia).
A proposta é parte de um cenário delineado em um relatório sobre maneiras de chegar a um total líquido de zero emissões de dióxido de carbono em 2050, um pré-requisito para atingir a meta do acordo de Paris sobre o clima que limita o aquecimento global ao máximo de 1,5 grau acima da temperatura média do planeta antes da industrialização.
Além de cortar drasticamente o consumo de combustível fóssil, para atingir a meta também seria requerido um salto sem precedentes no uso de tecnologias que envolvem emissão baixa de poluentes —por volta de US$ 5 trilhões (R$ 26,3 trilhões) ao ano em investimentos em energia, em 2030, ante os cerca de US$ 2 trilhões (R$ 10,5 trilhões) atuais, o relatório apontou.
“Precisamos de uma alta histórica de investimento”, disse Fatih Birol, presidente da AIE, sediada em Paris, nesta terça-feira (18), acrescentando que isso adicionaria 0,4% anual ao crescimento do PIB (Produto Interno Bruto) planetário.
“E o grosso desse investimento precisa ser dirigido à energia limpa”, afirmou.
O relatório “Net Zero” da AIE surge em um momento em que a instituição —criada em 1974 para fiscalizar a situação internacional de energia para os países ocidentais— vinha enfrentando pressões de ativistas do clima para que produza um plano sobre como atingir esse objetivo.
O estudo detalha uma reformulação geral da oferta e procura de energia, como parte da qual a demanda por carvão cairia em 90%, a demanda por gás natural cairia à metade e a demanda por petróleo encolheria em quase 75%, até 2050.
Dave Jones, analista da Ember, organização de pesquisa sobre o clima, disse que o apelo do relatório pelo fim da exploração de petróleo e gás natural era extremamente surpreendente, dado o histórico da AIE.
“Não acredito que qualquer pessoa esperasse isso da AIE. É uma completa inversão de posição, para eles”, disse Jones. “A organização sempre foi muito favorável ao combustível fóssil e, portanto, que tenha aparecido com algo assim é espantoso. É uma verdadeira facada na indústria do petróleo”.
A maior parte da economia mundial está sujeita a alguma forma de meta de redução de emissões de poluentes, o que envolveria eliminar virtualmente todas as emissões de dióxido de carbono e compensar as demais por meio de programas de remoção de carbono da atmosfera.
Embora o relatório não seja uma projeção ou uma recomendação, os cenários da AIE são considerados definitivos por muitos governos e muitas vezes servem como base para a formação de políticas de energia.
À medida que mais governos, entre os quais o do Reino Unido, os da União Europeia e o da China, assumem o compromisso de reduzir o total líquido de emissões a zero, o relatório da AIE demonstra o quanto será desafiador chegar a isso.
“É um percurso muito estreito”, disse Birol. “Mas podemos chegar lá”.
Muitas das grandes empresas e países produtores de petróleo, como os membros da Opep (Organização dos Países Exportadores de Petróleo), argumentam há muito tempo que o investimento em projetos novos de produção de combustível fóssil precisa continuar a fim de atender às necessidades das economias emergentes da Ásia e África.
Mas o modelo da AIE para a redução de consumo de combustível fóssil é muito mais severo do que a maioria dos produtores está preparada para considerar. A parcela do combustível fóssil na oferta mundial de energia teria de cair dos cerca de 80% atuais para 20%, em 2050. A energia solar se tornaria a maior fonte individual de energia –respondendo por 20% da demanda mundial.
“Os países cujas economias dependem do petróleo e do gás natural enfrentarão imensos desafios”, disse Birol. “Nós estabelecemos mais de 400 marcos e um deles é que não existe necessidade de desenvolvimento de novos projetos de petróleo, gás natural e carvão, o que inclui necessidade zero de investimento na exploração de petróleo e gás natural”.
Ben van Beurden, presidente-executivo da Royal Dutch Shell, disse em assembleia anual de acionistas da companhia nesta terça-feira que o foco estaria no consumo e não na produção, a fim de reduzir emissões.
Ainda que a Shell já tenha descartado explorar petróleo e gás natural em novas áreas depois de 2025, van Beurden disse que “outra companhia pode surgir para desenvolver esses recursos”. Ele acrescentou que sua empresa continuaria a perfurar poços em áreas estabelecidas, como o Golfo do México, a fim de atender à demanda.
A AIE reconheceu que “o investimento continuado em fontes existentes de produção de petróleo é necessário”. E, mesmo com um declínio na demanda por petróleo, a parcela da produção de petróleo controlada pela Opep deve crescer, de cerca de 37% para 52% em 2050, de acordo com o relatório.
O estudo antecipa que a geração mundial de eletricidade não dependerá mais da emissão de poluentes, em 2040, e também uma disparada no investimento em novas tecnologias como baterias e eletrolisadores de hidrogênio, nos próximos 10 anos.
Joeri Rogelj, professor de mudança do clima no Imperial College de Londres, definiu o cenário da AIE para as emissões zero como profundamente significativo.
As melhoras de eficiência na produção de energia significam que a demanda mundial por energia em 2050 será cerca de 8% menor que a atual, embora a economia do planeta deva se tornar duas vezes maior. O uso de eletricidade crescerá, respondendo por cerca de metade do consumo total de energia em 2050.
“A AIE é usada como referência prática para boa parte do planejamento, tanto dos governos quanto das empresas”, disse Rogelj, que havia apelado à AIE pelo desenvolvimento de um cenário para emissões zero.
Cenários anteriores da AIE haviam sido pesadamente criticados por não incluírem proporção suficiente de energia renovável e por subestimarem o ritmo de crescimento da energia solar e eólica.
“Se você estudar os últimos 10 anos, os cenários da AIE sempre ficaram um pouco aquém do necessário”, disse Rogelj. “A AIE é simplesmente uma máquina lenta, cinzenta, enferrujada, empoeirada, e demora um pouco a funcionar... mas estou feliz por ver que a AIE agora definiu um percurso para o total líquido zero de emissões”.
Fonte: Folha de S.Paulo
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