Lembrar que o planeta precisa ser salvo é obrigatório, mas o exercício de persuasão não pode prescindir do básico: dá lucro, dá emprego, dá segurança. A receita é proferida por Johannes Hahn, comissário europeu de Orçamento e Administração, em visita a países da América do Sul nas últimas semanas.
Seu principal argumento é palpável: 65 bilhões de euros emitidos em "green bonds", títulos verdes que financiam quase uma dezena de ações para a transição energética no continente europeu. O plano prevê um total superior a 200 bilhões de euros, por isso então o périplo por investidores da região. "Temos que explicar para as pessoas, mais do que fizemos no passado, que a transição verde também é uma oportunidade de negócio."
Hahn afirma que a legislação europeia antidesmatamento é uma polêmica dentro do próprio continente, mas prega transigência no debate. "Conversava há pouco com Joaquim Levy, do Banco Safra, sobre o acordo entre União Europeia e Mercosul. Lembrei de um antigo chefe que me dizia que os últimos 10% custam 80%; então vamos ter uma solução 90%, que já é algo. Mirar no 100% é tornar a história sem fim."
Como funcionam os "green bonds" europeus?
Esta é uma apresentação que estamos usando em nossa viagem. [Pega uma brochura e entrega ao repórter.] Aqui você tem uma apresentação muito boa, em quais áreas estamos financiando a transição verde [pesquisa e inovação, tecnologias digitais, eficiência energética, energia limpa e distribuição, adaptação às mudanças climáticas, gerenciamento de água e resíduos, transporte limpo e infraestrutura, proteção da natureza, regeneração e biodiversidade].
O ponto de partida, no final de 2019, era a transição verde. Porque era óbvio, tínhamos que investir em um futuro net zero [zero emissões líquidas de carbono]. Já era um mergulho de cabeça, mas então a pandemia começou, veio a guerra na Ucrânia... As pessoas entenderam que tínhamos que diversificar nossa produção de energia, pois tivemos aumento de preços. E produzir energia renovável, investir em tecnologias limpas. Em particular, a questão da eficiência energética, algo expresso nesta lista de áreas onde investimos.
Nossa presidente [Ursula von der Leyen] e toda a Comissão se comprometeram a gastar pelo menos 30% do orçamento total de 2 trilhões de euros por 7 anos para a transição verde. Quando criamos o "Next Generation EU", que faz parte desses 2 trilhões, mas fora do orçamento ordinário, tivemos que nos comprometer a gastar pelo menos 37% com a transição verde. Para financiar tudo isso, tivemos que emitir green bonds. Essa é a história.
Estamos falando em cerca de 200 bilhões de euros para esses títulos e, até agora, emitimos mais de 65 bilhões. Então estamos mais ou menos no caminho. Estabelecemos um sistema de relatórios bem fundamentado, com muita transparência. Agora, quase diariamente, há uma atualização em nosso site de como o dinheiro está sendo gasto.
Já é o padrão de controle previsto para dezembro? [um novo sistema promete criar padrões de relatórios, inclusive para emissores externos, que não precisa ser seguido mas deve se tornar referência no mercado]
Este é um novo padrão desenvolvido pela Comissão para futuros green bonds. Quando lançamos o primeiro programa, não havia nenhum. Nosso controle já é o estado da arte, dentro dos princípios da ICMA [International Capital Markets Association]. Define o que está por trás do nossos green bonds, o que é financiado, como usamos e selecionamos os recursos, com verificação externa.
Sua visita ao Brasil ocorre em meio a uma onda de incêndios florestais...
Para nós, europeus, a situação da floresta tropical é de grande relevância. Para o mundo inteiro é.
Há investigações em curso que mostram a origem criminosa destes incêndios e, se não conivência, certa tolerância de parte da sociedade, de legisladores e de empresas com essas práticas. Como gerenciar intenções modernas como títulos verdes em meio a essa realidade crua?
Na Europa não é diferente. Temos que explicar para as pessoas, mais do que fizemos no passado, que a transição verde também é uma oportunidade de negócio. Se você está buscando, digamos, não um princípio verde, mas investimentos verdes, você oferece ao setor empresarial muitas oportunidades, porque temos que lidar com a mudança climática.
Sem um tratamento adequado da questão, não sobreviveremos como planeta. Falando sobre São Paulo ou Rio, uma aglomeração urbana de 22 milhões de pessoas com muitos problemas ambientais. Temos o conceito de cidades inteligentes. É uma combinação de eficiência energética em combinação com o uso de instrumentos digitais. Por exemplo, para garantir um melhor fluxo de tráfego, melhor organização da coleta de resíduos, economia circular. Tudo isso pode ser visto como uma oportunidade de negócio e, ao mesmo tempo, contribuir para a luta contra as mudanças climáticas.
O importante é entender que abordar a transição verde não deve ser visto como algo que compromete o padrão de vida das pessoas, mas de protegê-lo, também no futuro, para nossos filhos e os filhos de nossos filhos. E ao mesmo tempo criar empregos. Acredito que é possível conciliar os interesses da indústria, do setor empresarial, com os interesses do meio ambiente. E acho que isso também é algo alcançável no Brasil.
Temos uma eleição para prefeito em São Paulo neste momento em que quase nada é dito sobre ambiente. Não é um tema eleitoral, não é algo que preocupa as pessoas. Elas estão cientes dos problemas relacionados ao clima, mas não parecem conectá-los com o cotidiano de uma administração pública.
A situação da saúde aqui em São Paulo, por exemplo, é afetada por problemas ambientais. Saúde é algo que todos precisam. Sempre é uma questão de como apresentar e como explicar. É por isso que, mais uma vez, também na Europa, temos em diferentes países, até em diferentes regiões, diferentes focos sobre como abordamos a situação.
Em alguns países, trata-se da construção de trens de alta velocidade para reduzir voos de curta distância. A Espanha é muito bem-sucedida nisso. A França também. Temos também uma estrutura de construção muito antiga, o isolamento de edifícios é prioridade porque se trata de economia de energia.
Se você economiza energia, reduz as contas de eletricidade, e a maioria das pessoas carentes vive em edifícios mal isolados. Então, se ajudarmos a financiar, subsidiar o isolamento de edifícios, melhoramos as condições de vida, reduzindo os custos e ao mesmo tempo economizando energia.
O governo brasileiro, assim como os EUA, China e muitos outros países, pressionam a União Europeia para que ao menos adie a regulamentação antidesmatamento prevista para começar em 2025. Os argumentos variam: de uma escassez mundial de fraldas, projetada pelos Estados Unidos, à privacidade de dados sob risco, alegada pela China. Até o chanceler alemão, Olaf Scholz, diz que a Europa não está preparada para dar esse passo.
Temos eleições na Europa também, e alguns governos estão sempre sob pressão, especialmente o Sr. Scholz. Certas mudanças nem sempre são fáceis de digerir.
Temos alguns países na Europa, incluindo o que eu conheço melhor [ele é austríaco], em que temos um manejo florestal adequado há muitos anos. Eles pensam e decidem por gerações. E consideram que parte da legislação europeia está indo longe demais. Por outro lado, em outros lugares, há muito a ser desenvolvido.
Na Europa, como no Brasil, precisamos da floresta para lidar com o CO2 e a situação ambiental global, precisamos de um manejo florestal adequado. E manejo florestal significa que, se você cortar uma árvore, você deve plantar uma nova para a reflorestação. Esta é a substância da medida.
É um tanto enganoso falar de regulamentação do desmatamento, como diz o nome da lei. É muito mais sobre manejo florestal adequado, sustentável, orientado para o futuro, que deve estar no interesse de todos e de cada um.
Sei que no Brasil, e isto é um problema, a floresta é transformada em terra agrícola. Mas acho que devemos ver os efeitos a longo prazo. Nosso ponto é simplesmente o de que precisamos de um manejo florestal adequado. Esse deveria ser o foco da análise.
Mas o senhor acredita em algum tipo de adiamento? Teria que ser votado por todos os países membros.
Honestamente, não vejo uma grande diferença se fizermos agora ou em outro ano.
Outra questão difícil é o acordo entre a União Europeia e o Mercosul.
Estamos profundamente convencidos de que precisamos de acordos comerciais, e a prioridade máxima é o acordo com o Mercosul. Porque criaria um mercado comum, o maior do mundo, com cerca de 760 milhões de habitantes. Acredito que só há vantagens mútuas. Claro, é um acordo, então não é 100% perfeito para cada lado, mas acredito que as vantagens de longe superam uma ou outra desvantagem. E, também importante, em um momento em que a ordem mundial global, baseada em regras, acordos, contratos, está sob pressão. Mostraríamos compromisso, ambos os lados, com essa ordem mundial global, promovendo o Estado de Direito e assim por diante. Tudo isso fortalece nossos interesses. Por isso, honestamente, só posso instar os dois lados do oceano a assinarem o acordo.
É competência de Bruxelas negociar isso, mas estamos bem avançados. Houve reuniões agora em setembro. Acho que há uma nova dinâmica em vigor.
O senhor fala da importância de acordos e contratos. Recentemente, em Nova York, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva afirmou em discurso que o mundo está em um momento de "falha coletiva" com o planeta. É uma visão bem mais pessimista.
Não sei se esse tipo de discurso funciona em uma audiência global. Seria ótimo se tivéssemos, digamos, uma solução global, mas estamos longe disso. Porque também estamos em uma competição entre diferentes conceitos sociais. É por isso que sou tão a favor de acordos bilaterais, em particular entre parceiros grandes, relevantes e poderosos, como Mercosul e Europa, como Mercosul e talvez países da Asean [Associação de Países do Sudeste Asiático].
Quanto mais acordos tivermos, que, em princípio, se baseiam nessa ordem global baseada em regras, mais consistente é a rede que nos protege e nos dá uma posição forte na competição com outros países, como a China, que têm um conceito social diferente. É por isso que estou aqui, porque acreditamos que, se os países do Mercosul investirem na União Europeia, este é outro exemplo de estreitar os laços entre nós. Assim como estamos investindo, pois a Europa é o maior grupo com investimento estrangeiro direto na região. Então, sim, seria bom o Brasil e outros países investirem na Europa, mostrando sua confiança em nós e vice-versa.
RAIO-X
Johannes Hahn, 66. Comissário Europeu de Orçamento e Administração desde 2019, é doutor em filosofia pela Universidade de Viena e ocupa cargos no braço executivo da União Europeia desde 2010. É membro do Partido Popular da Áustria, que integra o Partido Popular Europeu.
Fonte: Folha de S. Paulo
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