Em meio ao Deus nos acuda que a pandemia global da Covid-19 deflagrou ao redor de todo o planeta; a indústria brasileira de biodiesel tem operado dentro de um oásis de relativa tranquilidade. “Até agora não tivemos nenhuma situação que possa ser considerada como mais grave”, diz Julio Minelli, diretor superintendente da Associação dos Produtores de Biocombustíveis do Brasil (APROBIO). “Não quer dizer que não haja problemas pontuais, mas não temos nenhuma luz vermelha acesa nesse momento”, completa.
O tom tranquilizador também transparece na fala de Donizete Tokarski, superintendente da União Brasileira do Biodiesel e Bioquerosene (Ubrabio). “As unidades produtivas estão operando normalmente e observando as recomendações de segurança da [Organização Mundial da Saúde] e do Ministério da Saúde”, garante acrescentando que atividade e as entregas do setor estão “compatíveis com a demanda do L71” cuja vigência se estende até o final do mês que vem.
Entre as empresas que processam oleaginosas e, portanto, abastecem o setor de biodiesel com o óleo do qual depende, as coisas continuam sem maiores sustos. “As fabricas nossas associadas seguem funcionando normalmente visando garantir a segurança alimentar e energética para a população”, informou, por meio de nota, a Associação Brasileira das Indústrias de Óleos Vegetais (Abiove).
Atividade essencial
Uma parte dessa relativa normalidade em meio ao olho do furacão se explica pelo fato do setor ter sido colocado sob o guarda-chuva do Decreto 10.282/2020 que foi editado na última sexta-feira (20) pelo Planalto para definir o conjunto de atividades essenciais que não poderão ser paralisados enquanto durar a crise.
O texto inclui salvaguardas tanto para a produção de alimentos (o que cobre as esmagadoras) quanto de combustíveis e derivados (caso do biodiesel). Isso obriga que, mesmo estados e municípios que tenham adotado medidas mais restritivas, assegurem a continuidade do funcionamento de unidades de produção de óleo vegetal e usinas de biodiesel.
Antes da edição do decreto presidencial, o governo já vinha se movendo para tentar blindar a cadeia. “A gente tinha uma carta na qual o MME solicitava que as empresas procurassem dar continuidade à produção”, ressalta Minelli. “[A produção de] combustíveis não pode parar”, completa explicando que todas as entidades do setor de biodiesel e de distribuição.
Para acompanhar os desdobramentos da crise no setor, o ministério instituiu na semana passada um Comitê Setorial de Crise que tem, entre suas metas, a “preservação da cadeia de produção e suprimentos (...) de biocombustíveis”. “O grupo relacionou situações que podem impactar o funcionamento das usinas como transporte, fechamento de rodovias, disponibilidade de caminhões, acesso a matérias-primas e insumos importados, etc. Estamos tentando cercar as variáveis e buscando soluções para amenizá-las”, explica o superintendente da APROBIO.
Prefeituras
Não quer dizer que o setor esteja totalmente a salvo. Em meio à uma confusão de proporções mundiais, inevitavelmente têm acontecido desencontros com os governos locais. “Algumas prefeituras precisam refletir melhor sobre as providências que andam tomando”, pondera Minelli.
Um decreto editado pela prefeitura de Rondonópolis para tentar contar a disseminação do coronavírus ordenou a paralização de operações industriais. Não é pouca coisa. A cidade mato-grossense é o maior polo produtor de biodiesel do país com cinco usinas instaladas e capacidade produtiva um pouco superior a 850,3 milhões de litros por ano – isso dá aproximadamente 9,1% de toda a capacidade nacional.
Duas das 5 maiores usinas de biodiesel do país – uma unidade da ADM e uma da Cofco – estão na cidade. Além disso, ela também conta com 4 unidades de esmagamento de soja.
Pelo menos por enquanto, a situação parece estar resolvida. Nessa terça-feira (24) as empresas afetadas obtiveram uma liminar judicial que permite que elas prossigam operando.
Da porteira para dentro
Os riscos não estão só do lado de fora. As usinas também têm precisado redobrar os cuidados para evitar que a doença se alastre entre seus funcionários.
O maior grupo fabricante de biodiesel do Brasil, a BSBios, estabeleceu um comitê interno para que elaborou um protocolo para uniformizar as ações internas da empresa. Entre as ações que a empresa vem implementando para minimizar os riscos estão: a suspensão de atividades como viagens, participação em eventos e reuniões; o afastamento de funcionários que façam parte de grupos de risco; home office para funcionários do setor administrativo; monitoramento diário da saúde de trabalhadores; intensificação da limpeza; mudanças que permitam que os funcionários mantenham distância de dois metros entre si nos refeitórios e registro de ponto.
“O transporte dos colaboradores vem sendo feito por vans e ônibus com metade da lotação máxima e tomando todas as medidas para sua higienização. Colaboradores que voltam de férias são questionados sobre seu estado de saúde pelo Departamento de Gestão de Pessoas”, contou o empresário Erasmo Battistella, fundador e presidente da BSBios.
Segundo Minelli, as associações da indústria têm colaborado para centralizar e coordenar esses esforços entre os diferentes fabricantes. “Estamos juntando informações de cada usina e achar soluções. Mas o principal é seguir as recomendações do Ministério da Saúde de evitar aglomerações”, diz.
Impactos
Mas nem todo o cuidado do mundo vai evitar que a crise acabe batendo às portas do setor. Mesmo que numa versão um pouco mais branda.
Recentemente, o Bank of America revisou as projeções de crescimento para a economia global para este ano. No caso do Brasil, a estimativa foi de 1,5% para -0,5%.
E as medidas de restrição à movimentação de pessoas devem ter um impacto particularmente severo sobre as vendas de combustíveis. A Federação Nacional do Comércio de Combustíveis e de Lubrificantes (Fecombustíveis) já antecipa uma queda de pelo menos 50% nas vendas do segmento.
O maior golpe deverá ser sentido nas vendas de combustíveis do ciclo Otto – gasolina e etanol hidratado. Já o mercado de diesel deverá ser mais resilientes em função da continuidade do transporte de cargas e outras atividades essenciais. Mas, certamente, a queda na demanda também será expressiva. Distribuidoras ouvidas por BiodieselBR.com relatam queda de 15% nas vendas de diesel já falam até no acionamento do dispositivo de força maior para justificar a redução nas retiradas do biodiesel negociado no Leilão 71.
Segundo Julio Minelli, a redução da circulação de ônibus nas maiores cidades brasileiras terá impacto “significativo para o consumo de diesel do Brasil”.
Como a situação só se agravou nos últimos dias e é muito dinâmica, o setor ainda não teve como avaliar a situação em profundidade. “Estamos analisando qual será o impacto do mercado”, diz Battistella. “Não sabermos quantos dias será aplicada a quarentena”, completa.
Com um novo leilão de biodiesel a caminho, o setor está naturalmente apreensivo sobre a quantidade de biodiesel que vai de fato ser comprada e dos efeitos que o derretimento da demanda terá sobre os preços praticados. “Não estaremos exagerando se supormos uma redução de 10% na demanda, mas temos que acompanhar isso no dia a dia. Estamos em mares desconhecidos”, encerra.
Fonte: BiodieselBR
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