O crescimento global nas vendas de veículos elétricos e híbridos e o cerco às emissões de carbono têm feito as petroleiras investirem cada vez mais em biocombustível, material que gera energia a partir de biomassa orgânica para uso em motores a combustão interna. Apesar da demanda pelos combustíveis ecológicos registrar recuo de 11,6% no ano passado em comparação com 2019, primeira queda em duas décadas, devido à pandemia e à queda expressiva do preço do petróleo nos últimos meses, diversos países adotam políticas para eliminar automóveis a gasolina e diesel ao longo desta e da próxima década, de acordo com a Agência Internacional de Energia (AIE).
A ofensiva mais recente contra os carros movidos a derivados do petróleo veio do governo britânico. Em dezembro, o primeiro-ministro do Reino Unido, Boris Johnson, anunciou que a proibição desses veículos será antecipada para 2030. A ideia inicial era que as restrições tivessem início entre 2035 e 2040. Também no ano passado, o primeiro-ministro japonês, Yoshihide Suga, anunciou planos de suspender a venda de veículos a gasolina em 2035 para cumprir a meta de reduzir a zero as emissões de CO? até 2050 no país. Holanda, Suécia, França e outros países da União Europeia estão no mesmo caminho.
"A transição da era do petróleo para a economia de baixo carbono é a grande fronteira da indústria deste século. É um processo irreversível, que ficou ainda mais evidente com a Covid-19. Na Noruega, por exemplo, 53% dos carros novos vendidos em 2020 foram totalmente elétricos. Na China, já existem 500 mil ônibus elétricos em circulação. Em grandes cidades, como Pequim e Shenzhen, não há mais ônibus a diesel nas ruas. Recentemente, o presidente dos Estados Unidos, Joe Biden, anunciou um plano para trocar todos os 645 mil veículos do governo americano por elétricos", disse Rui Almeida, vice-presidente de Veículos Levíssimos da ABVE e executivo da Riba Brasil.
Para o diretor superintendente da Associação dos Produtores de Biocombustíveis do Brasil (Aprobio), Julio Cesar Minelli, o componente mais crítico para adoção dos veículos elétricos são as baterias e o investimento em infraestrutura que garanta ampla autonomia de deslocamento. Segundo ele, do ponto de vista ambiental, será necessário garantir que a origem da geração de energia a ser consumida seja sustentável, uma vez que a capacidade de energia armazenada e o peso das baterias são desafios constantes a serem superados.
"Uma das principais tecnologias de baterias recarregáveis são as que utilizam íons de lítio. Um olhar mais amplo sobre este componente crítico para um veículo elétrico vai mostrar que ele depende de minerais como cobalto, grafite, lítio e manganês. Essas matérias-primas estão altamente concentradas em um pequeno número de países, sob áreas com alto estoque de carbono (florestas), onde as regulamentações ambientais e trabalhistas são fracas ou inexistentes. Certamente estes desafios podem ser superados, eventualmente com o desenvolvimento de novas tecnologias. Contudo, não se deve minimizar o desafio de se suprir a energia elétrica a estes veículos", pontua.
Minelli acrescenta ainda que os desafios energéticos são elevados e que possivelmente todas as soluções deverão ter a sua parcela de contribuição. Na sua avaliação, os fatores locais e regionais possuirão um papel na escolha de qual solução será adotada e em qual intensidade.
"Mundialmente existe uma prevalência pelo uso dos derivados de petróleo. Há toda uma infraestrutura de distribuição e logística existente. Neste cenário, o biocombustível surge como uma fonte de energia renovável e sustentável. Sua produção e consumo reduzem as emissões de Gases de Efeito Estufa (GEE). Quando tratamos de biocombustíveis, e olhamos para o Brasil, vemos um país com participação relevante nos biocombustíveis da 'primeira onda', tendo o etanol e o biodiesel como protagonistas", destaca.
Petroleiras ampliam portfólio
Visando o crescimento desses conceitos de sustentabilidade ao redor do planeta, a Petrobras (PETR4) está à frente dessa mudança de paradigma no Brasil e pretende investir US$ 1 bilhão, nos próximos cinco anos, em uma área de combustíveis verdes, que combinam óleos vegetais e petróleo durante o processo de refino. A petroleira brasileira já desenvolveu o chamado "diesel renovável" e aguarda a regulamentação do governo federal para vender o novo produto ao setor de transporte de carga. A expectativa do mercado é que o governo defina as regras de uso ainda neste semestre, já que o diesel renovável não demanda mudança no motor dos veículos.
Além disso, no futuro, a estatal ainda pretende produzir querosene de aviação renovável (bioQav) e desenvolver gasolina de nafta renovável com etanol. Para isso, a Petrobras estuda construir biorrefinarias no país e converter algumas refinarias já existentes para atender a produção desses novos combustíveis.
"Os combustíveis verdes podem ajudar no processo de transição dos carros com motor a combustão para veículos híbridos e elétricos. Os combustíveis verdes podem ser, para o Brasil, uma oportunidade em uma área na qual já tem experiência e competitividade. Vivemos hoje uma disputa sobre qual modelo vamos ter no futuro, se serão os carros elétricos, os híbridos ou aqueles com combustíveis verdes. Ainda não sabemos qual será o modelo vencedor", afirma Márcio Felix, presidente da EnP Energy.
O movimento da Petrobras é seguido por outras petroleiras, que também acreditam no declínio do consumo de petróleo a longo prazo. A britânica BP tem meta de ter 20% do mercado global de biocombustível de aviação até 2030. A italiana Eni está transformando em biorrefinaria sua unidade no Porto Marghera, em Veneza, na Itália. Na França, a Total já conta com uma unidade produtora de agrocombustível desde 2019 e pensa em expansão. Em setembro do ano passado, anunciou aporte de € 500 milhões para converter a unidade de Seine-et-Marne em biorrefinaria até 2024.
A anglo-holandesa Shell (RDSA34) também está neste movimento. Na terça-feira (26), o ECB Group assinou contrato com a petrolífera para a venda de mais de 2,5 bilhões de litros de diesel e combustível renováveis para aviação para entrega entre 2024 e 2029. Os biocombustíveis serão produzidos na biorrefinaria Omega Green do Grupo ECB a ser construída no Paraguai, com capacidade total de produção de 20 mil barris por dia de biocombustíveis verdes.
“Os biocombustíveis devem desempenhar um papel fundamental na obtenção de um sistema de energia com emissões líquidas zero, mas a colaboração é crítica para que o fornecimento e uso mundial desses combustíveis de baixo carbono se tornem mais difundidos”, disse Odeh Khoury, vice-presidente da Shell para Comércio de Produtos e Abastecimento.
No Brasil, a Raízen, joint venture entre os grupos Cosan (CSAN3) e Shell, inaugurou recentemente no interior de São Paulo sua primeira planta de biogás, que usa resíduos de cana para gerar energia e gás biometano, usado para substituir o diesel em frotas pesadas. Com isso, a empresa submeteu na quinta-feira (28) ao Conselho Administrativo de Defesa da Concorrência (Cade) a potencial transação da companhia para aquisição da Biosev (BSEV3), braço de açúcar e etanol do grupo Louis Dreyfus, uma das maiores processadoras de cana-de-açúcar do país. Apesar de a negociação estar em estágio avançado, ainda há uma série de "complexidades" e "pontos críticos" e não é possível dizer se haverá êxito na transação e quando ela poderia ser anunciada ao mercado.
"A inauguração da planta de biogás evidencia como os resíduos agrícolas possuem um enorme potencial. Com esse movimento contribuímos para o meio ambiente ao utilizar uma fonte que ajuda a limpar a matriz energética brasileira e mostramos, por meio de resultados e investimentos, como geramos pequenas transformações com grande impacto na rotina, qualidade de vida, produtividade e otimização de processos, seja com a cogeração de energia, produção de pellets ou etanol de segunda geração”, afirma Ricardo Mussa, presidente da Raízen.
Para Minelli, os biocombustíveis representam a melhor opção para a transição energética que o mundo precisa fazer e um passo importante na busca por um combustível sustentável para o mundo no século XXI.
"O Brasil é o segundo mercado de biodiesel e etanol do planeta, mas os investimentos em biocombustíveis avançados dependem da definição de um Marco Regulatório específico em discussão com o governo federal. Tal marco incentivará o desenvolvimento no país de indústrias com tecnologia de ponta, design modernos, sustentável, capaz de produzir biocombustíveis avançados, como o Diesel Verde - HVO, o SPK, e o GLP verde", finaliza.
Fonte: Mercado 1 minuto
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