País tem milhões de hectares de terras reflorestáveis; reflorestamento é a forma mais efetiva de sequestrar carbono
O Brasil tem potencial para liderar o mercado emergente de sequestro de carbono atmosférico – fundamental para que seja atingida a meta de empurrar o aquecimento global para um patamar abaixo de 1,5 a 2,0 graus Celsius em comparação com o período pré-industrial.
Para isso, o país dispõe de uma formidável reserva de 50 milhões de hectares de terras reflorestáveis, com potencial de regeneração natural espontânea ou de regeneração natural assistida. E o reflorestamento é, de longe, a forma mais efetiva de sequestrar carbono da atmosfera.
A consideração foi feita na palestra “Oportunidades de empreendedorismo com restauração ecológica, mercado de carbono e soluções baseadas na natureza”, apresentada por Renato Crouzeilles, durante o webinário “Serviços Ecossistêmicos”, o 3º e último do Ciclo BIOTA Empreendedorismo, promovido pelo Programa BIOTA-FAPESP (Pesquisas em Caracterização, Conservação, Restauração e Uso Sustentável da Biodiversidade), realizado em 30 de novembro de 2021.
Crouzeilles é professor no Programa de Pós-Graduação em Ecologia da UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro), pesquisador afiliado ao IIS (Instituto Internacional para Sustentabilidade) e diretor executivo do International Institute for Sustainability Australia.
Sua palestra teve como foco o potencial econômico das soluções ambientais, especialmente no mercado de sequestro de carbono. “O mercado voluntário de sequestro de carbono deve crescer até 15 vezes de 2020 a 2030. E, até 2050, entre 7 e 13 gigatoneladas do carbono deverão ser sequestradas anualmente, para compensar as emissões, e atingir a meta de Net Zero”, disse. A expressão “Net Zero” designa a neutralidade de carbono, condição em que todas as emissões remanescentes são compensadas por sequestros.
Segundo o pesquisador, o preço do carbono sequestrado ainda é muito baixo, mas em mercados regulados como o europeu a tonelada de carbono sequestrado já alcança o valor de 69 euros. “A demanda já é grande e tende a aumentar, o preço também, e a oferta ainda é baixa e de baixa qualidade”, afirmou.
Crouzeilles informou que a qualidade da oferta de sequestro de carbono é aferida a partir de três critérios. O primeiro é o da “durabilidade”, isto é, por quanto tempo o sequestro poderá ser mantido. O segundo critério é o da “adicionalidade”, que só se aplica quando o reflorestamento atende estritamente ao objetivo do sequestro de carbono. Uma floresta reconstruída para extração de madeira não pode ser apresentada como uma adição que só se tornou possível devido ao financiamento obtido no mercado de carbono. O terceiro critério, finalmente, é que não haja “vazamento”, isto é, que o reflorestamento em determinada área não implique desmatamento em outra.
“O Brasil apresenta uma das maiores oportunidades para reflorestamento em larga escala e a baixo custo visando remover CO2 da atmosfera”, enfatizou o pesquisador. E listou quatro vantagens do país: alto potencial de sequestro de carbono; baixo custo para o reflorestamento; grande quantidade de área disponível; alto potencial para regeneração natural assistida.
Em vez de fechar os olhos diante de uma política obtusa de desmatamento e predação dos recursos naturais, os agentes econômicos brasileiros deveriam enxergar a preservação e a reconstrução das florestas como um dos maiores e potencialmente mais lucrativos patrimônios do país.
“Devido às condições climáticas, a Amazônia e a Mata Atlântica estão entre os melhores locais do mundo para o sequestro de carbono. E, principalmente na Amazônia, o custo de oportunidade para isso é baixo”, comentou Crouzeilles.
O “custo de oportunidade”, ele explicou, é o montante de dinheiro que o proprietário rural deixa de ganhar ao redirecionar parte de sua área da atividade agropecuária para o reflorestamento. Em lugares distantes da fronteira de expansão do agronegócio, esse redirecionamento pode ser uma opção bastante vantajosa do ponto de vista econômico, para não falar de suas virtudes ambientais.
Crouzeilles disse que grandes corporações, como a Microsoft, a Apple, a Amazon e outras, estão bastante engajadas na política de carbono neutro até 2050. E que a Microsoft, em especial, não apenas quer zerar seu balanço de emissões, como também apagar toda a “pegada de carbono” deixada ao longo de sua história.
De acordo com o pesquisador, o mercado de sequestro de carbono é altamente promissor para o Brasil. Mas é preciso agir logo, e com alta velocidade, porque 2030 está logo ali e a meta de reduzir o aquecimento global abaixo de 1,5 a 2,0 graus Celsius continua longe de ser alcançada. Na opinião de Crouzeilles, apenas empresas de tipo startup têm flexibilidade e agilidade suficiente para ocupar esse espaço.
SERVIÇOS ECOSSISTÊMICOS
O webinário teve como objetivo debater o potencial dos serviços ecossistêmicos para a sustentabilidade. “O nosso objetivo é dialogar com diferentes públicos e com segmentos mais amplos da sociedade”, afirmou Luiz Eugênio Mello, diretor científico da FAPESP, que participou da abertura do encontro.
Na segunda parte do webinário, uma mesa-redonda virtual reuniu profissionais que já atuam economicamente no ramo de serviços ecossistêmicos. Participaram Paulo Groke, diretor do instituto Ecofuturo, mantido pela empresa Suzano, e Marcelo Gomes da Silva Pereira, gerente de meio ambiente florestal da Suzano; Isabel Duarte Coutinho, diretora e pesquisadora da Natcrom Soluções Sustentáveis; e Andresa Berretta, gerente da Apis Flora.
Groke citou o exemplo do Parque das Neblinas, uma reserva ambiental da Suzano gerida pelo Instituto Ecofuturo. Dispondo de 7.000 hectares, com mata atlântica em diferentes estágios de recuperação, o parque abriga atividades de manejo e restauração florestal, ecoturismo, educação ambiental, pesquisa científica e participação comunitária.
Pereira apresentou os objetivos da Suzano no campo das soluções baseadas na natureza. A empresa, que é a maior produtora global de celulose de eucalipto, possui uma área florestal de 2,3 milhões de hectares, dos quais quase 1 milhão de hectares vêm sendo conservados como reserva nativa. A expectativa, segundo o gerente, é valorizar e monetizar esse patrimônio natural, incorporando os serviços ecossistêmicos ao portfólio da companhia.
Transitando da grande empresa para a startup, o webinário seguiu com a apresentação de Isabel Coutinho, que descreveu as atividades da NatCrom, com apoio do PIPE (Programa Pesquisa Inovativa em Pequenas Empresas) da FAPESP e abrigada atualmente na incubadora de empresas da Unesp (Universidade Estadual Paulista) em Araraquara.
Baseada no conceito de economia circular, que transforma resíduos em recursos, a NatCrom produz extratos botânicos e fitoquímicos a partir de descartes da agroindústria, aproveitando especificamente os rejeitos na cadeia produtiva da manga para fabricar biopolímeros.
Na última apresentação, Andresa Berretta falou da AgroBee, startup também apoiada pelo Programa PIPE/FAPESP. Mais de 70% dos cultivos agrícolas dependem de polinização realizada por abelhas. E a AgroBee conecta apicultores com agricultores que necessitam de abelhas para a polinização de suas lavouras. A conexão é feita por meio de um aplicativo digital com várias funcionalidades. Daí a empresa ter sido apelidada, midiaticamente, de “uber das abelhas” (Para mais informações acesse aqui ).
Entre os resultados, Berretta citou um aumento de 17% na produção média por hectare em plantações de café arábica que passaram a utilizar esse serviço ecossistêmico durante as semanas da florada.
O webinário “Serviços Ecossistêmicos” foi apresentado por Jean Paul Metzger, professor titular de ecologia da Universidade de São Paulo e membro do Comitê de Coordenação do Programa BIOTA-FAPESP. A mesa-redonda teve coordenação de Carlos Alfredo Joly, principal mentor do Programa BIOTA-FAPESP e recentemente contemplado com o título de Professor Emérito pela Unicamp (Universidade Estadual de Campinas).
Fonte: Poder360
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