São Paulo e Brasília - Os olhos do mundo estão voltados aos investimentos verdes - e o Banco do Brasil diz estar atento a esta oportunidade. O banco deve obter R$ 23 bilhões com organizações financeiras internacionais até o meio de 2024 a fim de financiar projetos verdes no Brasil, de energia renovável à recuperação de áreas degradadas. No futuro, o banco enxerga nas captações com bancos de fomento globais e multilaterais uma via importante para obter recursos que financiem também a expansão do agronegócio - já que o Plano Safra e os recursos do banco são “finitos”.
O vice-presidente de Atacado do BB, Francisco Lassalvia, afirma que há demanda: o Brasil tem se destacado em relação aos demais emergentes com o avanço de reformas, e os estrangeiros têm mostrado interesse em financiar o crescimento sustentável no País. “O balanço dos bancos é finito, o Plano Safra do governo é finito e não cresce como a economia brasileira. Vemos cada vez mais latente a busca de investimentos externos para serem aportados no Brasil”, disse.
Lassalvia comanda a área do BB que atende às médias e grandes empresas, pessoas físicas e megaprodutores rurais do segmento private, que atende aos clientes de maior renda dentro do banco, e também cuida da tesouraria global e da área de negócios internacionais do BB. Ao todo, são R$ 300 bilhões em ativos no Atacado do banco. Veja a seguir os principais trechos da entrevista ao Estadão/Broadcast:
Alguns bancos têm preferido, no atacado, fazer operações com emissão de dívida no mercado que podem colocar em carteira, se necessário, para consumir menos capital. É essa a estratégia do BB? Como o banco olha para o crédito a grandes empresas?
Não temos teto de capital que inviabilize o crescimento dos segmentos corporate e do large corporate, então essa elasticidade permite fazer um movimento estratégico de reposicionamento de carteira e de papéis, mas não temos o objetivo de carregar esse papel, podemos até carregar por algum tempo. O que é importante dizer é que o nosso RAR (retorno ajustado a risco) em operações de atacado cresceu mais de 10 pontos porcentuais em um ano. Pensamos na operação muito mais olhando para o retorno e, obviamente, ganhamos com a distribuição no mercado secundário. Talvez o banco esteja em uma situação mais privilegiada, em carregar papel se for necessário. Quando olho o banco todo, é muito melhor emprestar em uma linha de varejo de baixo risco do que para um large corporate do atacado, o retorno é muito maior. Mas o banco está remando exatamente para o que perseguimos: um crescimento mais robusto na carteira agro, que tem inadimplência muito mais baixa do que nas carteiras em geral, navegando muito bem nas linhas de consignado, e clientes de baixo risco no atacado.
O que há de soluções para o agronegócio, em que o banco é líder, no atacado?
Fizemos algumas reuniões com o governo e o ministro da Agricultura trouxe isso novamente. O balanço dos bancos é finito, o Plano Safra do governo é finito e não cresce como a economia brasileira. Vemos cada vez mais latente a busca de investimentos externos para serem aportados no Brasil. Não vamos conseguir, em balanço de banco, cobrir esse crescimento econômico que se avizinha. Conversamos com muitas instituições multilaterais e bancos de desenvolvimento. Estive no Japão e na Arábia Saudita para levantarmos recursos para a recuperação de áreas degradadas. Temos uma série de ações para captar dinheiro talvez abaixo do custo de oportunidade que temos aqui no Brasil, a Selic, para investirmos em projetos verdes que sequestram carbono. Temos aproximadamente R$ 23 bilhões em negociação com esses multilaterais, alguns já desembolsados, outros para sair nos próximos dois meses.
O banco esteve na comitiva da viagem do ministro da Agricultura, Carlos Fávaro, à Ásia, no início de agosto. A viagem foi com esse objetivo?
Havia mais de 30 empresários, agricultores. O objetivo era falar com bancos de desenvolvimento do Japão, da Coreia do Sul, da Arábia Saudita e dos Emirados Árabes, para internalizar dinheiro. Tínhamos uma pauta específica, que era a recuperação de áreas degradadas, que é de 40 milhões de hectares. Temos hoje 50 milhões de hectares produtivos, ou seja, praticamente dobraríamos a área de produção sem entrar nos biomas e florestas. A recuperação de áreas degradadas em três anos, inclusive, passa a gerar créditos de carbono. Dessas reuniões, já houve retorno: a Jica (Agência de Cooperação Internacional do Japão), que nos recebeu, já veio para o Brasil. Estamos avançando com o Eximbank da Coreia do Sul em algumas linhas de crédito para a recuperação de pastagem. Nossa carteira de agro no atacado cresceu de R$ 66 bilhões para R$ 82 bilhões e o Plano Safra não acompanha isso. Ou capto lá fora e faço mercado de capitais ou não vamos conseguir dar continuidade ao crescimento do agronegócio.
E o mercado lá fora está receptivo ao Brasil, considerando as turbulências internacionais recentes?
Há uma liquidez extrema lá fora. Em outubro, vamos a Marrakesh, sede da próxima reunião do FMI, para conversar com esses multilaterais. No mundo, em mercados emergentes, vemos pouquíssimas oportunidades de alocação. E vemos o governo fazendo as reformas e caminhando com assuntos estruturais. Vemos o investidor estrangeiro com outro olhar para o Brasil e acreditamos que esses recursos vão vir, alguns deles abaixo do nosso custo de oportunidade. Mas mirando na Selic a 11% (11,75%) no final do ano, acho que ainda vamos ter muita atração de recursos para o Brasil, em especial para negócios verdes. E o banco sai como beneficiário, porque um terço da nossa carteira, R$ 321 bilhões, é verde.
A busca por recursos lá fora para financiar o agro está acontecendo há algum tempo. De onde os recursos podem vir?
No ano passado, fechamos parcerias com a AFD (Agência Francesa de Desenvolvimento) e com o KfW (banco de desenvolvimento da Alemanha). Esse dinheiro já foi desembolsado. Além dessas casas, pegamos com o Banco Mundial. É uma operação que tem de passar pelo Senado, mas depois que passa pela primeira vez, é mais simples. A tranche inicial era de US$ 500 milhões, mas agora vamos fazer mais uma tranche de US$ 1 bilhão. Estão batendo na nossa porta e existe uma demanda inversa. Quando olhamos o pipeline de R$ 23 bilhões, é muito pouco na carteira de ativos do banco, mas é um movimento crescente. Quem largou na frente, vai sair na frente.
Esses R$ 23 bilhões são voltados para iniciativas verdes?
São multilaterais de fomento, bancos internacionais de fomento e agências de fomento à exportação, tudo isso misturado nessa proposta. Algumas operações são para trade finance, a minoria. A grande parte, R$ 16 bilhões a R$ 18 bilhões, é para financiamento climático. Aí entram descarbonização, transição energética.
Como vocês estão na parte de infraestrutura? Como estão se posicionando? Como estão desenhando parcerias com o BNDES?
O Banco do Brasil tem um R$ 100 bilhões no PAC (Programa de Aceleração do Crescimento) para os próximos três anos, praticamente dividido meio a meio para mercado de capitais, para projetos de infraestrutura, principalmente privados. A outra metade para financiamento de infraestrutura e energia para os Estados e municípios, conduzido pela vice-presidência de governo. O banco vem forte para essa pauta do PAC, olhando para projetos e governo de forma sustentável. Nosso saldo de project finance, nossa carteira só para projetos de energia renovável foi de R$ 7 bilhões, cresceu 34% de um ano para o outro. Estamos sofisticando essa equipe, porque muita coisa acontece pré-leilão, precisamos acompanhar essas empresas desde a origem. São projetos que compreendem crédito para cerca de 250 parques de geração de energia no País, com a criação estimada de 120 mil empregos diretos e indiretos. Estamos aproveitando a estratégia do PAC para apoiar o governo federal no sentido de estar dentro de grandes empresas, olhar para grandes projetos de infraestrutura e financiar aqueles que têm um bom risco/retorno e a viabilidade, contribuindo para o desenvolvimento social do País.
No ano passado, vocês fizeram o movimento de concentrar a operação nos EUA no BB Americas e havia uma possibilidade de parceria com o UBS para pensar em advisory, com o objetivo de fazer algo similar na Europa. Como é que está isso?
Nos Estados Unidos, a operação está extremamente saudável. O resultado de 2023 vai ser o recorde da operação, que cresceu 140% em ativos em um ano. E está atendendo nossos clientes dentro do que esperamos. Cada vez mais sofisticamos nosso atendimento, principalmente para a área de mercado de capitais internacional. O acordo com o UBS é uma parceria discricionária e não obrigatória como no Brasil, em que temos uma parceria exclusiva. É uma parceria discricionária para oferecermos alguns produtos mais sofisticados, principalmente do wealth management. E ela está em andamento e não me impede de fazer parceria com outros players. A minha operação de private normal caminha muito bem. Operações de linha, aplicação, produtos, serviços, financiamento imobiliário que o cliente private faz também. É uma célula muito boa para fazer financiamento imobiliário no BB Américas e é sempre muito bem elogiado. Nos Estados Unidos, estamos avançando dentro da nossa expectativa e o resultado vai ser incrível este ano.
E na Europa?
Estive lá exatamente para entender a nossa operação. Portugal é uma praça importante, se não me engano só perde para os Estados Unidos e Paraguai em termos de brasileiros que moram fora do País. E temos uma operação muito antiga. Não só de pessoa física, mas também jurídica. A ideia é fortalecer a operação. Alguns investimentos vão ser feitos de forma orgânica e, se necessário for, pode ter algum investimento inorgânico, a depender do mercado. A ideia é que a gente atenda os clientes que querem ser atendidos na Europa e queiram fazer negócios em euro na Europa. Então quando a gente olha para complementaridade da operação de pessoa física do mundo, é muito importante manter a operação no Japão, com 90 mil clientes, manter a operação no BB Americas, com 47 mil clientes, e aumentar a operação em Lisboa, seja de forma orgânica ou inorgânica, no sentido de atender o cliente na sua completude. Essa reunião que tivemos foi para sedimentar a nossa visão de que temos de continuar investindo na Europa e não necessariamente atender via Londres e sim via Portugal.
Mas quando o sr. fala em aquisições, seria algo como o Bradesco fez com o BAC Florida (hoje Bradesco Bank)?
Não desenvolvemos nada disso. Nem está no pipeline. Só se precisar. Pela expertise que temos, conseguimos avançar muito no que é a expectativa para o brasileiro. Na verdade, nós já temos contas do private do wealth management lá que movimentam muito dinheiro. O que queremos fazer é continuar sofisticando a operação.
E quanto à operação da Argentina em meio às turbulências políticas e econômicas? O Itaú está saindo.
Continuamos com uma operação extremamente rentável na Argentina. O nosso ROE (retorno sobre o patrimônio) está adequado à expectativa do banco. Então, por mais que o mercado argentino tenha suas dificuldades e particularidades, a nossa operação vem muito forte e apoiando principalmente o importador argentino já com o balanço do Banco Patagonia. Inclusive, com inadimplência baixa, muito abaixo da média do sistema financeiro argentino. E a operação está crescendo, o resultado está crescendo, foi recorde no ano passado. Precisamos da complementaridade, estamos na Argentina porque temos empresas brasileiras e argentinas, às vezes abrimos uma carta de exportação para amparar uma importação que a empresa argentina venha a fazer e que tem algum lastro de uma empresa brasileira trabalhando lá. Temos uma série de clientes do corporate, large corporate, que têm operação na Argentina, operam aqui e operam lá com eles. É importante e talvez sejamos um dos únicos bancos que conseguem fazer isso hoje dentro dessa parceria Brasil e Argentina.
E quanto ao projeto do governo para financiar exportadores brasileiros que queiram vender para a Argentina, como o ministro Haddad mencionou?
O governo tem insistido que a Argentina é o principal porto para as importações de manufaturas brasileiras, isso é importantíssimo. É um produto de valor agregado que vai para Argentina. Então a ideia do governo é criar uma linha que permita que o exportador brasileiro continue embarcando produtos manufaturados para a Argentina. Estamos conversando com o Ministério da Fazenda ao longo dos últimos meses uma forma de apoiar o governo como agente financeiro na construção dessa operação.
O desenho passaria pela troca de yuanes por real? Como seria?
O desenho é que façamos, na nossa estrutura de Londres, o swap das captações que a Argentina tem em yuan, que o governo argentino está fazendo com a China. E esse dinheiro viria para o Brasil em reais e seria a contragarantia de uma linha de crédito aberta para exportação do brasileiro transitado via Proex (Programa de Financiamento às Exportações), do qual somos operadores exclusivos. O banco em si não tem risco e o governo teoricamente também não vai ter risco porque o dinheiro vai estar internalizado em reais no Brasil e vai ser contraparte desse valor que seria dado para o financiamento ao exportador dentro da modalidade do Proex.
Depende só da aprovação do governo argentino?
O governo brasileiro ainda está aguardando o ok da Argentina. Mas a nossa ideia, como Banco do Brasil, é sermos um apoiador do governo no trânsito dessa operação, como prestador de serviço da União e como agente financeiro do Proex, nada além disso.
Então não mudou nada com os últimos desenvolvimentos na Argentina tanto econômicos quanto políticos?
Como é público e notório, eles têm uma dificuldade de balanço de pagamentos. E como a China está fazendo empréstimos em yuan, a ideia que tivemos junto com o Ministério da Fazenda foi pegar esse yuan e fazer o swap que internalizamos no Brasil até porque o risco de execução aqui é mais controlado do que se deixarmos esse dinheiro lá fora. E será uma decisão do governo se vai ser 100% para lastrear 100% ou 120% para lastrear 100%, por exemplo. Até onde vimos, a ideia é que não se tenha exposição a risco soberano. Eles estão aguardando essa resposta (do governo argentino) para a gente criar essa estrutura interna, abertura de conta aqui no Brasil.
Fonte: Estadão
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