Atividade avançou 2% em relação a 2019, apoiada em safra e preços recordes e demanda aquecida. Expectativa é de mais crescimento este ano, apesar de preocupação dos produtores com clima e custos
Em ano de fortes perdas geradas pela pandemia do coronavírus, a agropecuária foi o único dos três grandes setores da economia (serviços e indústria) que cresceu em 2020.
Em relação a 2019, o segmento avançou 2%, em meio ao tombo de 4,1% do Produto Interno Bruto (PIB), mostram dados divulgados pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) nesta quarta-feira (3).
Com este resultado, a agropecuária aumentou a sua participação no PIB brasileiro de 5,1% em 2019, para 6,8% em 2020.
Segundo o IBGE, essa alta ocorreu pelo crescimento e ganho de produtividade das lavouras, com destaque para a soja (7,1%) e o café (24,4%), que alcançaram produções recordes na série histórica.
Por outro lado, no 4º trimestre de 2020, em relação a igual período de 2019, o agro teve variação negativa de 0,4% por perdas em culturas como a laranja (-10,6%) e o fumo (-8,4%).
Produtores e economistas consultados pelo G1 afirmam que os fatores ajudaram a impulsionar o agro em 2020 foram:
A safra recorde de grãos de 257,8 milhões de toneladas em 2019/2020;
Investimento dos produtores em pacotes tecnológicos avançados - sementes, defensivos, fertilizantes e rações de maior qualidade;
Clima favorável;
Demanda externa aquecida - receio de desabastecimento de alimentos por causa do fechamento de fronteiras impulsionou importações dos países. E Brasil é um grande exportador do setor;
Agro foi considerado uma atividade essencial durante a pandemia para evitar falta de mantimentos;
Auxílio emergencial aqueceu a demanda interna;
Valorização do dólar em relação ao real impulsionou exportações do agro;
Recomposição do rebanho suíno chinês após peste suína africana puxou vendas de soja e milho do Brasil - grãos viram ração para os animais;
Aumento da produção e exportação de carnes.
E 2021?
Para este ano, a expectativa é de mais crescimento, apesar de algumas preocupações dos produtores com o clima e custos de produção.
Consultado pelo G1, o economista Renato Conchon, da Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA), espera que a agropecuária avance mais 2,5% no PIB de 2021, apoiada na expectativa de mais uma safra recorde de grãos, estimada em 268,3 milhões de toneladas pela Companhia Nacional de Abastecimento (Conab), até o momento.
"A colheita de grãos deve ser maior este ano do que em 2020, mas ela não deve vir tão boa quanto se esperava por questões climáticas e estabilização dos preços", diz Talita Pinto, pesquisadora do FGVAgro.
Os fatores que preocupam os produtores são:
O atraso na colheita de soja que postergou o plantio de milho;
Chuvas intensas na colheita que estão prejudicando a qualidade da soja em alguns locais do país;
Alta do dólar aumentou custo de importação de insumos, como fertilizantes e defensivos;
Preços elevados da soja e milho pressionam o custo da ração animal;
Apesar disso, economistas avaliam que as expectativas de crescimento para o PIB agropecuário e para a safra de grãos continuam muito positivas para o ano.
Agro: 'ilha da prosperidade'
O PIB calculado pelo IBGE leva em conta somente o que é produzido dentro das fazendas. Mas se colocar nessa conta tudo o que acontece da porteira para a fora, o crescimento do agro pode ter sido bem maior em 2020, e ter alcançando 19%, estima Talita, pesquisadora da FGV.
A projeção dela é para o PIB do agronegócio calculado pelo Centro de Estudos Avançados em Economia Aplicada (Cepea), da Esalq/USP, em parceria com a CNA.
Esse indicador leva em conta o movimento de toda a cadeia do setor: insumos, agroindústria e serviços, que não pararam durante a pandemia, já que foram considerados atividades essenciais.
De janeiro a novembro de 2020, o índice expandiu 19,66%, contra o mesmo período de 2019. "Uma grande ilha de prosperidade para a economia brasileira", comenta Guilherme Bellotti, gerente de consultoria de Agronegócios do Itaú BBA.
"Apesar de todas as preocupações da pandemia, as pessoas continuam comprando comida. Elas podem substituir, por exemplo, uma carne de boi por frango ou porco, que seria mais barato, mas, ainda assim, continuam comprando", diz Talita, da FGV.
Este cenário, somado à valorização do dólar em relação ao real, puxou as exportações do agronegócio brasileiro, que chegaram a US$ 100,81 bilhões em 2020, segundo maior valor da série histórica, atrás somente de 2018.
As vendas externas foram puxadas, principalmente, pela soja. Somente a China comprou 73,2% do grão nacional.
"Algo importante que tem puxado as exportações brasileiras é a recomposição do rebanho suíno chinês, depois de uma liquidação que teve entre 2018 e 2019", diz Bellotti, do Itaú.
"Essa recomposição está ocorrendo baseado em um modelo de produção mais industrial, que depende de ração. E ração é basicamente farelo de soja e milho", acrescenta.
A redução do rebanho suíno aumentou também a demanda chinesa por proteínas animais, o que favoreceu, mais uma vez, o Brasil. Em 2020, o país bateu recorde de exportação de carne bovina e suína.
Quem ficou de fora?
Por outro lado, o economista da CNA, Renato Conchon, lembra que nem todas as atividades do agro conseguiram se beneficiar do dólar alto.
"O real desvalorizado oferece mais renda aos produtores exportadores, e temos muitos produtores que destinam alimentos ao mercado interno, como hortaliças e frutas", ressalta.
Outras atividades sofreram bastante no início da pandemia. É o caso do setor de flores, por exemplo, que costuma vender mais no Dia das Mães, em maio, período em que medidas de restrição de circulação e de isolamento social estavam em curso em boa parte do país.
"Naquele momento, houve uma redução do consumo de lácteos também e deixou-se de comprar leite dos produtores rurais", lembra Renato.
Clima e investimentos
No campo, os agricultores também foram "coroados" por um clima bom durante toda a safra de grãos de 2019/20.
"O produtor fez um planejamento que deu tudo certo. Ele investiu em um pacote tecnológico avançado: isso quer dizer que ele utilizou sementes, fertilizantes e defensivos de maior qualidade, o que gerou uma maior produtividade", diz o economista da CNA, Renato Conchon.
Atraso nas lavouras
Mas, neste ano, o clima tem preocupado os produtores. A seca em setembro de 2020 atrasou o plantio de soja em Mato Grosso e no Paraná, principais estados produtores e que "dão a largada" na semeadura do grão.
Já as chuvas intensas estão prejudicando a colheita neste início de ano, pois há dificuldade para avançar com as máquinas nas lavouras. E, com isso, o plantio do milho também está sendo postergado.
"Eu tive 30 dias de atraso no plantio [de soja], e mais 15 dias na colheita. Então, grosso modo, nós temos um atraso de 40, 45 dias no plantio do milho", diz o produtor rural do município de Cláudia (MT), Zilto Donadello.
Zilto, que também é diretor administrativo da Associação dos Produtores de Soja e Milho de Mato Grosso (Aprosoja-MT), afirma que as chuvas comprometeram a qualidade da soja nesta safra.
E que, diante deste cenário, prevê uma diminuição de 25% a 30% na produtividade da sua plantação. O que significa que ele espera colher menos grão por hectare.
"Se as condições climáticas não melhorarem durante o [cultivo do] milho segunda safra, a gente pode ter uma redução da quantidade produzida ao longo de 2021", diz o economista da CNA.
Ele reforça, porém, que as expectativas para o setor continuam muito positivas, diante da demanda internacional aquecida e projeção de safra recorde.
Em resposta ao G1, a Conab diz que, "até o presente momento", não tem informações de que o atraso nos cultivos de soja e milho possa impactar "a produção estimada para estas duas culturas".
Renda
Zilto acrescenta ainda que produtores venderam a soja antecipadamente não têm se beneficiado dos preços recordes da oleaginosa.
"Eu comecei minhas vendas com R$ 78, R$ 80 [a saca] e terminei de vender por cerca de R$ 92, R$ 94. Pelo menos eu consegui cumprir meus contratos [...] Mas essa rentabilidade que está no mercado eu não vou ter", diz.
A saca de 60 kg de soja fechou a terça-feira (2) cotada a R$ 168,96.
Custos de produção
Se, por um lado, a valorização do dólar tem remunerado bem os produtores, por outro, deve aumentar os gastos para produzir neste ano, afirma o economista da CNA.
"O custo de produção da safra 2020/2021 subiu significativamente com a desvalorização do real em relação ao dólar. Com isso, fica mais caro importar insumos. 85% do fertilizante que a gente usa, por exemplo, é importado. E temos defensivos que são atrelados o câmbio também", diz Conchon.
O pecuarista Aldo Rezende Telles, presidente da Associação dos Criadores Nelore de Mato Grosso (ACNMT), conta que os gastos de alguns criadores para engordar o gado também aumentaram.
O setor tem sido bem remunerado na venda do boi gordo e o preço da arroba chegou a bater recorde em fevereiro.
"Dá uma aparência que é bom, mas os custos de produção estão crescendo. [...] Se usa milho e o caroço de algodão [para a ração], por exemplo. Nós compramos o caroço de algodão a R$ 420 a tonelada no ano passado, hoje ele custa R$ 1.150", diz.
"Mas, na minha propriedade, estamos indo razoavelmente bem, porque sobrou muito produto do ano anterior. Então vai pesar para a gente na hora de voltar a comprar os produtos as próximas safras. Nós temos trato até junho", diz Telles.
Para o economista da CNA, o aumento dos custos pode impactar mais o PIB agro de 2022 do que o deste ano.
Baixa oferta de carne
Telles menciona ainda que há, atualmente, no mercado uma baixa oferta de gado para a produção de carnes.
"Do ano passado para cá, o bezerro valorizou muito, então o pessoal deixou de matar vaca. Em vez de abater [a vaca], leva ela para o pasto e insemina para ter produção. Por isso que tem baixa oferta", diz Telles.
Apesar deste cenário, o consultor de agronegócios do Itaú, Guilherme Bellotti, diz que, diante da demanda internacional aquecida, o setor de carnes, em geral, deve ter crescimento este ano.
"Com relação à carne bovina, provavelmente a gente deve ter um nível de produção oscilando ao redor do que foi 2020", diz Bellotti.
Segundo a pesquisadora da FGVAgro, Talita Pinto, a produção de carne bovina alcançou 10,1 milhões de toneladas no ano passado, mas deve avançar para 10,5 milhões este ano.
Fonte: G1
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