Muitas das soluções que nos esperam na recuperação econômica pós-pandemia passam por uma aceleração da transição para uma nova economia descarbonizada. Ou usamos a oportunidade de retomada dos negócios, colocando a economia global em um caminho em direção a um mundo “net zero”, ou seja, zerando as emissões líquidas, ou nos prenderemos a um sistema fóssil do qual será impossível escapar. É este o ponto em que nos encontramos agora.
Minha convicção a esse respeito não parte de um ideário provido pelos especialistas do mundo da sustentabilidade, mas sim de um conjunto de premissas organizadas em pesquisa que contou com a colaboração de mais de 200 representantes de bancos centrais em todo o mundo, ministros de Finanças do G-20 e acadêmicos de 53 países. A pesquisa, conduzida por um grupo de economistas renomados, que inclui o Prêmio Nobel Joseph Stiglitz, entre outros, foi pulicada na terça-feira (5) pela “Oxford Review of Economic Policy”e pode ser considerada um marco histórico.
Os autores temem que o mundo corra o risco de saltar “da frigideira Covid para o fogo climático”. Isso porque, ao tentar estimular os negócios a se recuperarem da fatal recessão, estímulos financeiros e governamentais não considerem os riscos climáticos e as emissões de Gases do Efeito Estufa (GEE). A tragédia estaria consolidada, tendo em vista que há um consenso global na comunidade científica de que a superação do limite de mais 2º C na temperatura provocaria mudanças ambientais irreversíveis, que poderiam levar a desastres em massa, milhões de mortes e um mundo mais pobre para todos.
Tivemos uma interrupção no despertar da percepção da população sobre as mudanças climáticas, que vinha começando a ocorrer, e perderam destaque para a priorização necessária da Covid-19. Por outro lado, a pandemia trouxe para as pessoas uma amostra do que seria um novo normal em um mundo mais desacelerado, limpo e com um consumo consciente. Fomos obrigados a perceber que, se por um lado as tecnologias nos permitem ter esse novo normal, com uma redução do deslocamento corporativo, por exemplo, por outro a parada obrigada nos trouxe maior consciência sobre como nos alimentamos, ao produzir nossas próprias refeições em casa. As estradas vazias e a ausência de aglomerações humanas trouxeram de volta o ar mais limpo e vida selvagem.
Além disso, por conta da pandemia, as emissões de GEE em 2020 cairão mais do que em qualquer outro ano desde o início da série histórica. Mas sabemos que para atingir o ideal do net zero em 2050, esse indicador deveria ser repetido ano após ano e ninguém quer repetir a difícil e doída experiência de estar preso em casa e privado do contato social para obter este resultado.
Temos plena consciência de que quando as restrições de mobilidade forem suspensas e as fábricas retomarem sua produção no mesmo ritmo de antes, corremos o risco de voltar ao mesmo ritmo que estávamos. Mas a crise gerada pela Covid-19 pode marcar uma virada no progresso das mudanças climáticas, se houver bom senso das lideranças políticas, empresariais e das instituições financeiras. Afinal, a crise traz imenso aprendizado, com sofrimento, para que a gente saiba descartar o que é nocivo e o que é preciso para alavancar um novo normal.
A crise demonstrou que os governos podem intervir decisivamente quando a escala de uma emergência é clara e o apoio público está presente. A intervenção de Estados foi decisiva tanto para deter o aumento da taxa de infecção, no efetivo combate ao vírus, quanto na manutenção e na recuperação dos mais vulneráveis. Da mesma forma, a união entre empresas e instituições financeiras promoveu suporte ao Estado, seja para a construção de hospitais de campanha, seja na doação de equipamentos, que contribuíram para evitar que os sistemas de saúde fossem ainda mais sobrecarregados.
Portanto, é preciso ter a clareza entre governos, empresas e bancos, de que a emergência climática é como a emergência da Covid-19. Mas não chega como um tsunami. Se desenvolve em câmera lenta e pode ser mais letal. Ambas têm como semelhanças as externalidades que as antecedem, a necessidade da cooperação internacional, a fundamentação científica, a resiliência, e as ações prioritárias de lideranças políticas e empresariais, tanto quanto a mobilização social.
No estudo supracitado, os principais pensadores financeiros do mundo concordam em uma coisa: temos que gerar recursos e impulsionar a retomada pós-pandemia reduzindo as emissões de carbono. Programas de recuperação fiscal que incluam análises de riscos climáticos, que englobem impactos sociais positivos e relevantes em prol da redução das desigualdades, e ainda formas de políticas de larga escala que não se abstenham do foco da redução de emissões, são mais do que necessárias, urgentes.
Os grandes colaboradores que pensaram a correlação entre o mundo pós-pandemia e as mudanças climáticas sugeriram cinco itens que devem ser bem posicionados para contribuir no alcance conjunto de metas climáticas:
1. investimento em infraestruturas físicas limpas;
2. melhora da eficiência da construção civil;
3. investimentos em educação e treinamento para enfrentar o desemprego imediato e desemprego estrutural da descarbonização;
4. investimento em capital natural para a resiliência e regeneração dos ecossistemas;
5. investimento limpo em pesquisa e desenvolvimento.
No contexto nacional, os cinco itens se encaixam perfeitamente nas nossas urgências e devem ainda ser acrescidos de uma mudança brusca e exponencial na medida da universalização do saneamento básico. Só com essa mudança sairemos finalmente do século XIX direto para o século XXI e para a década da implementação.
Mais do mesmo não é possível. Saímos com a certeza de que temos que ser mais resilientes, e o novo normal exige um esforço conjunto para direcionar os recursos escassos para efetivas mudanças em nossos patamares sociais, ambientais e econômicos. Pensando neste aspecto, nas tarefas que temos pela frente, e dadas as incertezas nas futuras ondas das pandemias, nunca foi tão emblemático dizer que a saída da crise é verde. Tem que ser.
Fonte: cebds
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