Governos da região vão ter de lutar muito para responder aos desafios de atenuar seu impacto
Em outubro o Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas divulgou relatório sugerindo que mesmo que os signatários do Acordo de Paris cumprissem todos os compromissos assumidos a temperatura planetária subiria mais de dois graus Celsius (2°C) até o fim do século. Evitá-lo demandaria uma ação política global, cada vez mais improvável. Vale a pena perguntar qual será o futuro econômico da América Latina ante as mudanças climáticas e que recursos políticos seus dirigentes têm para proteger a população dos efeitos das mudanças.
Apesar de mais de 75% dos latino-americanos reconhecerem a gravidade do problema, há indícios de que esse tema se está politizando. No Brasil, o novo governo anunciou a intenção de sair do Acordo de Paris e o País já não sediará a próxima rodada de conversações sobre o clima patrocinadas pela ONU, a COP-25. Jair Bolsonaro prometeu abrir as florestas tropicais à exploração comercial, apesar de o aumento do desmatamento ter consequências mundiais em curto prazo.
Alguns setores da economia latino-americana são mais vulneráveis que outros a ter seus ativos desvalorizados ou inutilizados pela mudança climática e pelas políticas adotadas para mitigá-la. Por exemplo, grandes reservas de combustível fóssil não deverão ser explorados se a América Latina pretender cumprir o que foi firmado no Acordo de Paris - que exige que quase 50% das reservas de petróleo e gás da região e 75% das de carvão permaneçam enterradas.
A agricultura é o desafio mais problemático para os planos de adaptação da região ao clima. No Brasil, os efeitos da mudança climática sobre a disponibilidade de água serão variados: estudo recente concluiu que o norte do País deve sofrer uma redução de 40% no volume de chuvas, mas no sul elas aumentariam 30%. Como resultado, a produção de grãos como trigo e soja deve cair, mas em âmbito continental haverá aumentos, limitados, em zonas hoje marginais à produção de commodities. Culturas como café e vinho sofrerão mais. Está claro que a adaptação tem um custo e desafiará a capacidade dos governantes.
Mas se há riscos para a América Latina, também há oportunidades. Nenhuma região do mundo produz mais energia de fontes renováveis do que a América Latina, mas mais de 75% dessa energia vem de imensas hidrelétricas, que são vulneráveis à mudança do clima. Secas severas já causaram extensos apagões em bacias que apostaram seu futuro energético no poder hídrico - especialmente no Brasil.
Em termos de recursos naturais e vontade política, o Chile talvez seja o país em melhor posição na região para se beneficiar de um futuro com base em energia renovável. O país possui exatamente o tipo de recursos que o tornarão uma potência em energia renovável: em nenhum outro lugar há uma irradiação solar de longo prazo maior que no Deserto de Atacama. Se a energia solar que chega ao Atacama fosse plenamente aproveitada, já seria o suficiente para prover eletricidade para toda a América Latina, nos níveis atuais.
O Atacama e a área em torno dele - que abrange Chile Bolívia e Argentina - também abrigam mais da metade do suprimento global de lítio, elemento crucial para as baterias usadas em veículos elétricos e que armazena energia produzida por fontes eólicas e solares. Desenvolver recursos do lítio e se capacitar para criar produtos com valor agregado, eis uma vasta fonte potencial de renda para as nações andinas que desejem aproveitar o movimento global de abandono dos combustíveis fósseis.
Se o Deserto do Atacama é o futuro epicentro da produção de lítio e energia solar, a costa atlântica do Brasil pode rivalizar com ele com a energia eólica. Beneficiando-se de ventos constantes e unidirecionais, a região atraiu altos investimentos externos entre 2009 e 2015. As sucessivas crises políticas e econômicas sufocaram a produção, mas os leilões de energia marcados pelo governo brasileiro para 2019 e 2020 têm previsão de trazer mais 15 gigawatts de energia eólica para a rede elétrica.
As economias sul-americanas estão, portanto, em excelente posição para lucrar com a mudança econômica global na direção da economia verde. Naturalmente, isso vai exigir que governos e atores privados reconheçam a urgência de fazer esses investimentos, agora, enquanto ainda existe uma chance - cada vez menor - de limitar o aquecimento a 1,5°C. As diferenças entre 1,5°C e 2°C de aquecimento são dramáticas. Consideremos dois cenários diferentes para o futuro da América Latina, um em que a temperatura global aumenta 1,5° e outro em que esse aumento chega a 2°.
No primeiro caso, uma seca na América do Sul duraria em média um mês. Mas num cenário de 2° de aumento a seca duraria três meses. Isso significa que, enquanto 18 milhões de pessoas sofreriam com a escassez de água no caso de um aquecimento climático de 1,5°, se o aumento for de 2° serão 25 milhões.
O clima extremo - que compromete as condições de crescimento das regiões afetadas - aumenta exponencialmente à medida que a temperatura sobe, com diferenças notáveis entre cenários de 1,5° e 2°. A Região Amazônica, por exemplo, sofrerá um aumento de 258% das situações climáticas de calor extremo sob 1,5° a mais, mas será de 737% num cenário de 2°. O Cone Sul registraria um aumento de 188% das situações de calor extremo num cenário de 1,5° de a mais da temperatura, e 553%, se ela exceder os 2°.
A estabilidade política e econômica da América Latina dependerá da capacidade da região de atenuar os impactos sobre os pobres marginalizados de um admirável mundo novo de secas e temperaturas extremas, mesmo procurando beneficiar-se das oportunidades de negócios que poderão surgir. A mudança climática, como a globalização, terá seus vencedores e perdedores. A América Latina já é a região com mais desigualdades no mundo. Como os efeitos da mudança climática atingem mais duramente os mais vulneráveis, os governos se verão diante de desafios que terão de lutar muito para lhes responder.
Fonte:
Estadão